Roupas para distanciamento social. Seu uso tornava os contatos físicos quase impossíveis

 

Em muitas ocasiões, no passado, a moda criou roupas que facilitavam o distanciamento social. Crinolinas, anquinhas, polissons, chapéus enormes, não eram apenas caprichos de estilistas doidos: serviam para proteger as mulheres que os vestiam, e tinham a ver com etiqueta e classe social.

Por: Einav Rabinovitch-Fox – Historiadora e professora na Case Western Reserve University, EUA.

Fonte: Site theconversation.com

À medida que o mundo lida com o surto de coronavírus, o “distanciamento social” torna-se um chavão destes tempos estranhos. Em vez de estocar alimentos ou correr para o hospital, as autoridades estão dizendo que o distanciamento social – entendido como aumento deliberado do espaço físico entre as pessoas – é a melhor maneira pela qual as pessoas comuns podem ajudar a “achatar a curva” e impedir a propagação do vírus.

Caricatura satírica da moda das saias imensas, sustentadas por uma armação chamada crinolina.

A moda pode não ser a primeira coisa que vem à mente quando pensamos em estratégias de isolamento. Mas, como historiadora que escreve sobre os significados políticos e culturais da roupa, sei que a moda pode desempenhar um papel importante no projeto de distanciamento social, não importa se o espaço criado sirva para resolver uma crise de saúde ou para afastar pretendentes irritantes.

Quando a peste bubônica assolava a Europa, os médicos se protegiam do contágio usando máscaras como a desta ilustração

Fique longe

Há muito que as roupas servem como uma maneira útil de mitigar o contato próximo e a exposição desnecessária. Nesta crise atual, as máscaras se tornaram um acessório de moda que sinaliza “fique longe”. No passado, a moda também se mostrou útil durante epidemias passadas, como a peste bubônica, quando os médicos usavam máscaras pontiagudas, semelhantes a pássaros, como uma maneira de manter distância de pacientes doentes. Alguns leprosos foram forçados a usar um coração em suas roupas e vestir sinos ou portar badalos para avisar os outros de sua presença.

Os vestidos com enormes anquinhas, usados nas cortes europeias no século 19, também tinha o objetivo de manter os cortejadores indesejados à distância.

Na maioria das vezes, não é uma pandemia mundial a fazer com que as pessoas queiram manter outras pessoas à distância. No passado, manter distância – especialmente entre gêneros, classes e raças – era um aspecto importante das reuniões sociais e da vida pública. O distanciamento social não tinha nada a ver com isolamento ou saúde; era sobre etiqueta e classe. E a moda era a ferramenta perfeita.

Barreira entre os sexos

Veja a “crinolina” da era vitoriana. Essa armação para saias grandes e volumosas, que ficou na moda em meados do século 19, foi usada para criar uma barreira entre os sexos em ambientes sociais.

Embora as origens dessa tendência possam ser atribuídas à corte espanhola do século 15, essas volumosas saias se tornaram um marcador de classe social no século 18. Somente aqueles privilegiados o suficiente para evitar as tarefas domésticas poderiam usá-las; você precisava de uma casa com espaço suficiente para poder se mover confortavelmente de um cômodo para outro, e era necessário um criado para ajudar as damas a vesti-las. Naqueles anos, quanto maior a saia, maior o status social da mulher.

Depois das crinolinas, vieram os “bustles”, que aumentavam muito o tamanho do traseiro das mulheres.

Nas décadas de 1850 e 1860, muitas mulheres da classe média começaram a usar a crinolina quando as saias “em forma de gaiola” começaram a ser produzidas em massa. Em breve, uma verdadeira “crinolinamania” varreu o mundo da moda. Apesar das críticas dos reformadores da moda, que a consideravam uma outra ferramenta para oprimir a mobilidade e a liberdade das mulheres, a saia larga e exageradamente rodada era uma maneira sofisticada de manter a segurança social das mulheres. A crinolina determinava que um pretendente em potencial – ou, pior ainda, um estranho – manteria uma distância segura do corpo e do decote de uma mulher.

Na China, durante a Idade Média, um imperador ordenou aos mandarins o uso de chapéus com longas protuberâncias laterais: era para evitar os cochichos e fofocas ditos em voz baixa ao pé do ouvido.

A moda como arma

Embora essas saias provavelmente tenham ajudado inadvertidamente a atenuar os perigos dos surtos de varíola e cólera da época, as crinolinas podiam ser um risco à saúde: muitas mulheres morreram de queimaduras depois que suas saias pegaram fogo. Na década de 1870, a crinolina deu lugar ao polisson (bustle, em inglês), que enfatizava apenas a plenitude da saia na parte posterior. As mulheres, no entanto, continuaram a usar a moda como uma arma contra a atenção masculina indesejada. À medida que as saias se estreitavam na década de 1890 e no início de 1900, chapéus grandes – e, mais importante, alfinetes, que eram agulhas de metal afiadas usadas para prender os chapéus – ofereceram às mulheres a proteção contra assediadores que as crinolinas costumavam dar.

Quanto à manutenção da saúde, a teoria dos germes e uma melhor compreensão da higiene levaram à popularização das máscaras faciais – muito semelhantes às que usamos hoje – durante a gripe espanhola. E, embora a necessidade de as mulheres manterem distância de pretendentes irritantes permanecesse, os chapéus eram usados ??mais para manter intactas as máscaras do que para afastar estranhos. Hoje, não está claro se o coronavírus levará a novos estilos e acessórios. Talvez veremos o surgimento de novas formas de roupas protetoras, como o “escudo vestível” que uma empresa chinesa desenvolveu. A moda muda e vai se adaptando aos tempos e às necessidades do momento. No mundo fashion tudo é incerto. A única coisa em que podemos apostar é que, pelo menos nos dias frios, continuaremos a vestir pijamas na hora de se recolher ao leito.

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