O que é que a Kamala tem? Uma candidatura histórica à vice-presidência dos EUA

 

Aos 55 anos, a senadora Kamala Harris, escolhida por Joe Biden para sua vice-Presidente caso vença as eleições de 3 de novembro, tem tudo o que Donald Trump odeia. Cito Dave Pell, o sempre bem informado autor da newsletter NextDraft, para o demonstrar: “Kamala é negra. Kamala é asiática. Kamala acredita em leis e em instituições”.

Por: Rui Tavares Guedes

Fonte: Revista Courrier Internacional

Por causa de tudo isto, já se percebeu que Kamala Harris será, nas próximas semanas, o alvo principal dos ataques da campanha de Donald Trump, como já começou a fazer a Fox News, para tentar assegurar a reeleição, cada vez mais difícil com a sua gestão caótica face à pandemia e à crise econômica galopante. Mas também será usada por Joe Biden para dinamizar a sua campanha, com alguém capaz de transmitir confiança e carisma a uma candidatura liderada por um homem sereno, mas que se tem revelado incapaz de galvanizar ou entusiasmar os seus apoiantes.

A verdade é que apesar do seu estilo discreto, Joe Biden pode, com a escolha de Kamala Harris, tornar-se numa das personalidades mais influentes do primeiro quartel do século 21 americano.

Kamala Harris e Joe Biden

Basta analisar os momentos em que ele esteve envolvido, ao mais alto nível, nos últimos anos: depois de ter acompanhado, como vice-presidente, Barack Obama durante oito anos na Casa Branca, Biden é o homem que, além de derrotar Donald Trump e a sua presidência de quatro anos caóticos, tem ainda a oportunidade de ficar na História por ter sido o autor da escolha daquela que pode aspirar a ser, em 2024, a primeira mulher a ascender ao mais alto cargo da administração dos EUA. E, se tudo lhe correr bem, Kamala Harris pode até passar 12 anos na Casa Branca: os quatro primeiros como vice-Presidente e os oito anos seguintes como Presidente – graças a Joe Biden.
No meio de todo o aparato mediático instalado ao redor da escolha de Kamala Harris começou já a perceber-se um fato que é, no mínimo, curioso: na América, os homens candidatos são conhecidos, sobretudo, pelos sobrenomes, enquanto as mulheres são tratadas pelo primeiro nome. Já sucedeu isso com Hillary Clinton em 2016 e começa a repetir-se o mesmo com Kamala Harris na campanha que culminará em 3 de novembro de 2020.

Candidata de recordes 

A verdade é que Kamala Harris tem todos os atributos para ser falada. Feitas as contas, ela é a primeira asiático-americana e a primeira negra na história dos EUA a ser candidata às eleições presidenciais por um dos dois principais partidos políticos.

Kamala Harris é também a segunda pessoa negra (depois de Barack Obama) e a quarta mulher (após as democratas Geraldine Ferraro, em 1984, e Hillary Clinton, em 2016, e a republicana Sarah Palin, em 2008) a estar numa dupla presidencial por um dos dois principais partidos.

Finalmente, se ela e Biden vencerem as eleições de novembro, ela será a primeira asiático-americana, a primeira mulher de qualquer raça ou etnia e a segunda negra na história dos EUA a ser vice-presidente ou presidente.

Ajuda ou prejudicial para Biden? 

Já se percebeu, de qualquer modo, que Joe Biden vai precisar de Kamala Harris como uma espécie de soft-power para a sua campanha. Faz todo o sentido que assim seja, em especial por parte de um candidato com uma longa carreira política, mas que, se ganhar, já chegará à Casa Branca com 78 anos e com a promessa de que apenas cumprirá um mandato. Mais do que ser Presidente, Joe Biden quer ser o homem que expulsará Donald Trump da Sala Oval. E, depois disso, deixar um legado.
Kamala Harris é, para muitos analistas, a candidata ideal para dar um alento de esperança e de futuro à campanha de Biden. A começar, desde logo, pela sua biografia: uma juventude marcada pela militância política em Oakland, com um pai jamaicano e uma mãe indiana, ambos professores acadêmicos distinguidos e que se conheceram na seleta Universidade de Berkeley; uma longa participação, desde criança até à idade adulta, nas manifestações pelos direitos civis em Howard; os estudos de Direito na Universidade da Califórnia e os seus esforços, como procuradora-geral em São Francisco, para reformar por dentro o sistema de justiça criminal; finalmente, o seu entusiasmo como política em todos os campos, capaz de despertar, com isso, ódios de estimação, mas também muitos apoios.
A grande questão, já que ela será atacada ferozmente pelos republicanos, é se a escolha de Kamala Harris vai ser uma ajuda para a eleição de Biden ou um fator prejudicial à campanha do candidato democrata? Foi a essa análise que se dedicou Perry Bacon Jr., do FiveThirtyEight. Com resultados controversos.
Na sua avaliação, é preciso, acima de tudo, partir do princípio de que o impacto eleitoral dos candidatos a vice-presidente é bastante limitado – a não ser que se distinga por dizer coisas disparatadas, como sucedeu com Sarah Palin, em 2008, que ajudou a destruir a campanha de John McCain frente a Barack Obama.

No entanto, admite que ela possa ter alguma influência juntos aos eleitores negros (apesar de Biden já obter nesse campo uma importante vantagem), bem como entre os ativistas dos direitos humanos (embora não seja a representante dos setores mais à esquerda).

“As maiores incógnitas estão em torno da própria Kamala Harris  e das suas valências eleitorais”, escreve Perry Bacon Jr. Até porque continua a existir a dúvida sobre se ela já é uma figura com forte peso nacional, apesar do impacto que teve a sua primeira intervenção pública, logo após Biden ter anunciado a sua escolha.

Será que a importância de Kamala Harris vai ficar definida já em novembro ou será preciso esperar quatro anos, para a ver, então sim, ocupando o lugar mais importante na Casa Branca?

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