Massacre dos gatos. Austrália quer matar dois milhões de felinos para salvar espécies nativas

 

Governo estima que os gatos selvagens trazidos para a ilha pelos colonizadores europeus matem mais de um milhão de aves e quase dois milhões de répteis por dia. Estima-se que exista uma população de dois a seis milhões de gatos selvagens na Austrália. 

Por: Luis Pellegrini

A ignorância do ser humano não tem limites, e os desmandos que ela já provocou no mundo ao longo da história têm um número mais ilimitado ainda. Os gatos, se falassem, poderiam dar bons testemunhos disso. Através dos séculos, essa mesma ignorância fez esses felinos sofrerem as penas do inferno apenas pelo fato de serem… gatos.

No Antigo Egito, os gatos eram considerados divindades, e a deusa deles, Bastet, era uma das entidades divinas mais poderosas. Graças a seus poderes protetores, os celeiros egípcios podiam estar a salvo dos ratos, pois lá estavam os gatos, filhos da deusa, para acabar com os roedores.

Aliados naturais das mulheres bruxas

Até meados da Idade Média, na Europa – e pelos mesmos motivos – os gatos foram protegidos e tiveram vida boa. Depois, lá pelo século 14 da Era Cristã, as coisas mudaram: Chegou a Inquisição católica, com seu séquito de sandices e loucuras cruéis, a acusar as mulheres e seus “aliados naturais”, os gatos, de bruxaria. Daí em diante, o extermínio de ambos passou a ser regra. Muitos milhares de mulheres consideradas bruxas foram parar na fogueira, e o mesmo destino atingiu um número incontável de gatos, mortos pelo fogo ou simplesmente a pauladas.

Mas a história mais uma vez mostrou que é perigoso ofender uma divindade. A vingança de Bastet logo chegou e foi terrível: A foice da morte ceifou um terço da população europeia em menos de seis anos (de 1347 a 1353). O continente foi assolado pela peste negra, causada por uma bactéria transmitida pelas picadas das pulgas de ratos. Boa parte dos gatos do Velho Continente foram exterminados e, sem seus predadores naturais, os ratos proliferaram e com eles as doenças.

Gato selvagem, inimigo público

Agora, na Austrália, a sombra do massacre paira novamente sobre as cabeças dos nossos amigos felinos. O governo daquele país elegeu o gato selvagem como o seu novo inimigo público. Até 2020, o Governo australiano pretende matar cerca de dois milhões de gatos vadios — uma fatia significativa de uma população de gatos de rua que se estima situar entre dois a seis milhões de animais.

No estado de Queensland, as autoridades locais já oferecem uma recompensa de oito euros por cada escalpe de gato selvagem entregue. A PETA, uma associação ambientalista, denuncia a medida como “cruel”, de acordo com a CNN.

O “eastern-quoll” é um dos roedores australianos ameaçados de extinção por causa da proliferação de gatos selvagens em todo o país.

Mas qual o motivo que leva o Governo australiano a querer matar um número tão grande de gatos selvagens? Presentes no território australiano desde o século 17, trazidos pelos colonizadores europeus, praticamente sem inimigos naturais, estima-se que atualmente existam gatos em cerca de 99,8% do território australiano. Os gatos selvagens são da mesma espécie dos gatos domésticos. Contudo, por viverem na natureza, desenvolveram um instinto de sobrevivência que os torna assassinos exímios de algumas espécies animais.

George Andrews, comissário nacional para a proteção de espécies ameaçadas, disse ao jornal australiano Sydney Morning Herald que, desde a introdução da espécie no país, os gatos selvagens contribuíram para a extinção de pelo menos 20 espécies de mamíferos, o que faz deles a maior ameaça atual para as espécies nativas australianas.

Dados científicos pouco confiáveis

Citado pela CNN, um porta-voz do Departamento de Ambiente e Energia australiano afirmou que é possível que os gatos sejam a causa da morte de mais de um milhão de aves nativas e de 1,7 milhões de répteis por dia, no território australiano. Algumas das principais espécies ameaçadas por gatos selvagens são o Conilurus penicillatus, um roedor nativo classificado como vulnerável, e o Isoodon Auratus, outro mamífero roedor.

Andrews, em declarações ao diário australiano, explicou que a decisão tomada foi ponderada e que não é movida por qualquer ódio à espécie felina. “Temos de fazer escolhas para salvarmos os animais de que gostamos e que nos definem como nação”, acrescentou.

O Governo disponibilizou já uma verba de cinco milhões de dólares australianos para apoiar comunidades que consigam controlar a ameaça felina nas zonas rurais. Mas os planos têm sido alvo de críticas. Tim Doherty, um ecologista da Universidade de Deakin na Austrália reconhece que os gatos selvagens são um grande problema para as espécies nativas australianas, mas que a decisão de os eliminar é baseada em dados científicos pouco fiáveis, nomeadamente no que diz respeito à estimativa exata da população felina da ilha.

Outro dos argumentos referidos pelo especialista para se opor à medida é que matar gatos de forma indiscriminada não salva uma ave ou um mamífero da morte por si só, apenas fazendo sentido se o gato habitar numa área em que existam animais ameaçados. As recompensas monetárias são igualmente alvo de críticas do acadêmico, que considera que deverão ser restringidas a determinadas áreas.

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