ALERTA: REFUGIADOS AMBIENTAIS

 

 

Capa do relatório “In search of shelter”, Em busca de refúgio, contendo as conclusões do recente encontro preparatório para a reunião do clima, em agosto último, em Bonn, Alemanha.

 

Mudanças climáticas provocarão a migração de inteiras populações. Nas próximas décadas, centenas de milhões serão obrigados a abandonar suas casas e suas terras e mudar de lugar. O fenômeno terá repercussões globais.

Por Luis Pellegrini

Uma maré humana em fuga da seca, das inundações, dos mares que se elevam e que avançam sobre a terra, e por outros fenômenos provocados pelas mudanças do clima. Migrações em massa, em busca de uma vida melhor ou, mais simplesmente, de um modo para permanecer vivos, acontecerão em grande escala nas próximas décadas, envolvendo centenas de milhões de pessoas. Algo nunca visto antes, por sua amplitude e tamanho. Este é o cenário desenhado num novo relatório apresentado em agosto em Bonn, Alemanha, no âmbito das negociações para um novo acordo contra o aquecimento global, organizado pelo Center for International Earth Science Information Network, da Columbia University, de Nova York, pela United Nations University e a Care International.

O relatório não se arrisca a fornecer cifras precisas, embora outros estudos tenham indicado que o número de evacuados e refugiados até o final de 2010 oscilará entre 25 e 50 milhões, e será de 700 milhões até o final de 2050. A Organização Internacional dos Migrantes, por seu lado, prevê uma cifra média de 250 milhões de refugiados em 2050 – mas reitera o quanto o clima joga e jogará um papel cada vez mais relevante nesse fenômeno, ao lado de outros elementos como a instabilidade política e econômica, e a destruição pelo homem de ecossistemas específicos, além da exploração excessiva e insustentável de terras para a agricultura.

Milhões de pessoas serão obrigadas a abandonar seus lares e territórios de origem, em busca de melhores condições de vida.

Pensar que tudo isso diz respeito apenas aos países pobres é uma ilusão: as repercussões, escrevem os pesquisadores no relatório “In search of shelter, mapping the effects of climate change on human migration and displacement” (Em busca de refúgio, mapeando os efeitos das mudanças climáticas no deslocamento e na migração humana), serão sentidas por todos, em escala global. Pois “o clima é o recipiente no qual cada um de nós vive a sua própria vida no dia-a-dia”, recorda Alexander de Sherbinin, coautor do estudo.

Causas – e efeitos – dos “refugiados do clima” pipocam em toda parte. Elas vão da destruição das economias baseadas nos ecossistemas de subsistência específicos, como o pastoreio, agricultura e pesca, fator dominante nas migrações forçadas, ao aumento por frequência e intensidade de calamidades naturais como ciclones, inundações e seca, devidos às mudanças do clima. Os índices da chuva no México e na América Central, por exemplo, em 2080 serão menores em 80%. Por causa dessas modificações ambientais, os pecuaristas, em algumas partes do México, bem como no Sahel africano, já estão hoje abandonando suas casas para se estabelecer em zonas mais acolhedoras.

Em Tuvalu, pequeno país insular no oceano Pacífico, a maré alta passou a invadir a terra todos os dias, nos últimos anos.

Sempre em Tuvalu, as duas imagens mostram uma casa durante a maré alta, e durante a maré baixa. Quase todas as construções têm de ser erigidas sobre pilotis para permanecer acima do nível das águas.

O nível dos mares, por seu lado, representa uma ameaça para muitíssimos países e cidades, de Mumbai (India) a Los Angeles, do Rio de Janeiro a Nova York. A chegada de águas salgadas, em concomitância com inundações e erosões, corre o risco de destruir a agricultura nos populosos deltas dos rios Mekong, Nilo e Ganges. Com perdas incalculáveis: uma subida de dois metros do nível do mar – amplamente prevista em diversas projeções para este século – inundaria quase a metade dos 3 milhões de hectares de terras cultivadas do delta do Mekong. Alguns estados-ilha do Pacífico já consideram a possibilidade de um êxodo em massa da população: é o caso das ilhas Maldivas.

Não apenas: o derretimento dos glaciares de montanha no Himalaia levará a devastação a diversas terras cultivadas na Ásia, aumentando as inundações e reduzindo drasticamente as reservas de água. Um dado dramático, se se pensa que as bacias dos rios Ganges, do Bramaputra, do Irrauadi, do Yangtsé e do Rio Amarelo dão sustento a 1,4 bilhão de pessoas.

Na região do Himalaia, a maior parte dos glaciares está derretendo em ritmo acelerado por causa do aquecimento global. Esses imensos rios de gelo alimentam alguns dos mais importantes rios da Ásia.

A maior parte dos migrantes permanecerá, provavelmente, no interior dos limites do seu próprio país, informa o relatório, ou se transferirá para os países limítrofes, embora isso não seja possível em todos os casos. Se os conflitos internos se exasperarem, as consequências serão de longo alcance, interessando inclusive os países mais ricos. Trata-se de um cenário surpreendente e muito sério, adverte Charles Ehrhart, coordenador de mutações climáticas para a organização internacional CARE, no qual as sociedades mais atingidas pelas mudanças ambientais “poderão ser atiradas no seio de uma espiral negativa de degradação ecológica que as arrastará para baixo, onde não mais existem redes de proteção social, ao passo que a tensão e a violência serão incrementadas”.

Por tudo isso, recomendam os pesquisadores, é vital que os países cheguem a um acordo relativo ao corte das emissões de gás de efeito estufa no encontro das Nações Unidas sobre o clima, que acontecerá em dezembro. Apesar de que o processo negativo está já engatilhado e as consequências correm o risco de ser inevitáveis. “As mudanças do clima estão acontecendo com velocidade e intensidade maiores do que pensavam as previsões precedentes”, pode-se ler nas conclusões do relatório. “Os níveis de segurança para os gases atmosféricos de efeito estufa podem ser muito inferiores ao que antes se pensava e, ao mesmo tempo, as emissões de CO2 aumentam em índices cada vez mais elevados. Com repercussões sem precedentes para a população. “As migrações serão reconhecidas como um elemento importante da adaptação às mudanças climáticas”, frisa Ehrhart.

Em Bangladesh, inundações cada ano mais fortes e frequentes obrigam boa parte da população a se deslocar para terras mais altas.

São prioritários, portanto, recomendam os especialistas, os investimentos nos países mais em risco, e uma ação prática por parte da comunidade internacional, como providências tais como o desenvolvimento de técnicas de irrigação que possibilitem uma menor quantidade de água, e a preparação de sistemas específicos para se enfrentar melhor os desastres naturais. Os países devem, além disso, entrar num acordo a respeito de como encontrar acomodações para as populações que habitam planícies em risco. E, ainda, melhorar o sistema das remessas de valores dos emigrados para os familiares que permanecem nas regiões mais vulneráveis.

O que se espera é que a próxima reunião nas Nações Unidas para o clima não seja coroada por solene fracasso, como aconteceu com a de Copenhague, em dezembro último. Nosso futuro está em jogo. Mais ainda, o futuro de nossos filhos e netos.

Originally posted 2010-08-29 22:15:25.

Comentários

comentários

3 pensou em “ALERTA: REFUGIADOS AMBIENTAIS

  1. Luis Pellegrini Autor do post

    Olá Júlio! O tema dos refugiados ambientais é e será cada vez mais importante. Obrigado pelo seu interesse. Mas eu mesmo não sou especialista no assunto, e quando escrevi esse texto tinha em mãos material sobre as discussões da conferência de Bonn. Estou no momento em Salvador, Bahia. Quando voltar a SP, vou procurar mais referencias e, achando, mando pra você. Abs. Luis

  2. Julio

    Olá,
    Meu nome é Julio, e achei muito interessante seu texto sobre os refugiados, principalmente porque estou escrevendo minha monografia sobre o presente tema. Se o senhor puder entrar em contato, seja por e-mail, seja por twitter, agradecerei.
    Busco por bibliografias e, principalmente, acesso ao relatório de Bonn, Alemanha, porque me parece ser a Conferência internacional que mais deu atenção ao tema.
    Obrigado.

  3. maria thereza conde sandoval

    Querido, o que sabemos é que o mundo está em plena mudança. Já sofremos com tudo o que está acontecendo. Mas o mundo dos negócios não pretende enxergar. Bem, nós escolhemos estar aqui………… nisso eu acredito.
    Para variar, ótimo artigo, meu geminianao querido.