Um tesouro na cozinha. Quadro perdido de Cimabue descoberto na França

 

Pendurada na parede da sua cozinha, a dona da casa tinha uma obra do grande mestre do pré-Renascimento florentino. Avaliado pelos peritos em 6 milhões de euros, o quadro irá a leilão no dia 27 de outubro. Na foto de abertura, detalhe do quadro Cristo Ridicularizado, de Cimabue

Por: Luis Pellegrini

A dona da casa, uma senhora idosa moradora na cidadezinha francesa de Compiègne, ao norte de Paris, desde sempre tinha visto aquele quadro pendurado na parede da entrada da sua cozinha. Fazia parte do ambiente familiar, uma imagem religiosa como tantas outras, que com frequência adornam as paredes das casas dos devotos pertencentes às gerações mais antigas. Mas aquele pequeno quadro vale uma fortuna, porque segundo experts de arte, trata-se de uma pintura até agora considerada perdida de Cimabue, um dos maiores mestres da Renascença florentina.

Cristo Ridicularizado, têmpera de ovo, quadro do mestre Cimabue, considerado perdido e que acaba de ser encontrado na França.

Era considerado um pequeno quadro anônimo, escurecido pela fumaça do fogão, que por décadas permaneceu pendurado no mesmo lugar. E em vez disso, a obra – que tem 20,3 por 28,5 centímetros pertence nada menos que a Cimabue – cujo nome verdadeiro era Cenni di Pepo (viveu entre 1240 e 1302) –, o maior pintor italiano antes do advento de Giotto, do qual foi professor. Pintado a têmpera de ovo sobre um fundo dourado, o quadro representa um episódio violento e intenso da Paixão: Cristo Ridicularizado, no qual Jesus é exposto ao riso e a injúrias por parte dos soldados que o capturaram.

Cimabue, grande mestre da pintura italiana pré-renascentista

Surpresa após avaliação

A descoberta ocorreu há poucos meses, quando a idosa proprietária decidiu se desfazer de parte dos seus bens e levou o quadro, junto a outros objetos, para um escritório de leilão de peças antigas, a Casa Actéon. Esta, por sua vez, enviou o quadro para avaliação à Maison Turquin, empresa parisiense fundada pelo expert em arte Eric Turquin e especializada em pinturas antigas. O quadro não é assinado – os pintores da época não costumavam fazê-lo -, mas após as análises feitas por vários peritos não existem dúvidas quanto a sua autenticidade. E há mais: o Cristo Ridicularizado seria um dos oito painéis de um políptico pintado entre 1280-1285 e do qual acreditava-se teriam sobrevivido apenas duas partes: a Flagelação (que hoje faz parte da Frick Collection, em Nova York) e a Majestade (que está na National Gallery de Londres). Se junta assim um outro painel à obra-prima perdida do mestre Cimabue. O quadro, por sinal, está em excelente estado de conservação, apesar de passar décadas sendo defumado por vapores de cozinha, e foi avaliado em cerca de 6 milhões de euros. Irá a leilão no dia 27 de outubro em Senlis, por esse lance mínimo.

O Cristo Ridicularizado mostra Jesus cercado por uma pequena multidão de homens, todos com expressão irada e injuriosa. Seu autor, Cimabue – do qual apenas 11 outras telas chegaram até nós – não assinou nenhuma delas, mas mesmo assim é considerado uma das maiores figuras das artes plásticas do período pré-renascentista. Influenciado pelo espírito franciscano, Cimabue rompeu com o formalismo rígido da pintura bizantina em voga na época, e procurou dar alma a seus personagens. Colocou a pessoa humana no centro das obras, o que significa um claro anúncio da Renascença. “Embora o quadro seja austero, existe uma forte emoção nos rostos e nos gestos”, diz o perito Eric Turquin.

Vídeo: Uma obra-prima na cozinha

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