Cães, cavalos, pássaros e várias outras espécies de animais são cada vez mais utilizados por seus efeitos benéficos junto a pacientes que sofrem de moléstias físicas ou mentais. A terapia assistida por animais (TAA) é usada sobretudo na reconstrução psicocorporal de pessoas de todas as idades.
Por: Luis Pellegrini
Desde 2014, na França, soldados que sofrem de estresse pós-traumático se beneficiam de sessões de “terapia assistida por animais”, além de tratamento psicoterapêutico e médico, no hospital militar Legouest em Metz, no nordeste daquele país. É a primeira vez que uma instituição militar francesa lança mão dessa modalidade de terapia com o uso de animais – nesse caso, cavalos. “Apostamos que essa técnica ajude na reconstrução psicocorporal dos pacientes que, ao viverem a sensação de controlar o cavalo, aprendem a controlar melhor as suas próprias emoções”, explica o médico Laurent Martinez, coordenador nacional de apoio médico-psicológico do exército.
Praticada no final do século 18 em hospitais psiquiátricos ingleses e usada com sucesso pelo psiquiatra infantil americano Boris Levinson na década de 1960, a terapia assistida por animais está crescendo na França e também em outros países europeus e no resto do mundo. A Fundação Adrienne e Pierre Sommer, sob os auspícios da Fondation de France, apoiou 600 programas em todo o país nos últimos dez anos. Cavalos e cães são os animais mais utilizados em pacientes com patologias tão diversas quanto o autismo ou a doença de Alzheimer.
Também conhecida por pet terapia, ou zooterapia, a terapia assistida por animais (TAA) é uma prática realizada por profissionais da área de saúde, com o objetivo de promover o desenvolvimento físico, psíquico, cognitivo e social dos pacientes. Não se trata, é claro, de uma prática para substituir terapias e tratamentos convencionais, mas um complemento, uma nova linha de pesquisa para melhorar a qualidade de vida de pessoas comumente ignoradas pela sociedade, como no caso de pacientes com deficiências físicas, sensoriais, mentais e motoras, além daqueles que se encontram confinados nos centros penitenciários.
Efeitos benéficos são muitos
A TAA tem sido eficaz para diferentes deficiências e problemas de desenvolvimento, como paralisia cerebral; desordens neurológicas, ortopédicas e posturais; comprometimentos mentais como a síndrome de Down, ou sociais, como os distúrbios de comportamento, autismo, esquizofrenia e psicoses; comprometimentos emocionais, deficiência visual e/ou auditiva, distúrbio de atenção, de aprendizagem, de percepção, de comunicação e de linguagem, de hiperatividade, além de problemas como insônia e estresse. O trabalho exige uma equipe multidisciplinar, composta por veterinários, psicólogos, médicos, enfermeiros, assistentes sociais e terapeutas ocupacionais, capacitados para escolher o método adequado e acompanhar as atividades e o bem-estar dos animais e dos pacientes.
Um dos principais fatores que despertaram o interesse dos especialistas foi a descoberta de que, durante as sessões práticas de TAA ocorre um considerável aumento da produção e da liberação do hormônio endorfina no organismo do paciente. Disso resulta uma sensação de bem-estar e relaxamento, assim como a diminuição da pressão arterial e do nível do hormônio cortisol. Os benefícios para os pacientes podem ser físicos e mentais, ocorrendo uma inibição da dor e um estímulo da memória, bem como benefícios sociais, com melhora da capacidade de comunicação, sensação de segurança, socialização, motivação, aprendizagem e confiança, além de diminuir a solidão e a ansiedade; recuperar a autoestima, desenvolver sentimentos de compaixão e estimular a prática de exercícios.
Diferentes espécies podem ser utilizadas
Cães são os animais mais utilizados para as práticas de TAA devido a sua sociabilidade, fácil adestramento e maior aceitação por parte das pessoas. No entanto, diferentes espécies podem ser utilizadas, como: gatos, coelhos, tartarugas, cavalos, hamsters, golfinhos e aves, animais exóticos como iguanas e inclusive os escargots (caracóis de tamanho grande) e animais de fazenda (bois, vacas, cavalos, galinhas e outros).
A utilização de animais na terapia exige porém algumas precauções, como a prevenção da disseminação de doenças, principalmente as zoonoses, feita pelo controle periódico da saúde dos animais, realizado pelo médico veterinário; evitar agressões por mordeduras e arranhaduras promovendo programas de socialização para crianças e adultos, com a difusão de conhecimento sobre o comportamento da espécie animal que fará parte do programa; detectar possíveis alergias, fobias e aversões causadas pelo contato com animais o que pode culminar no afastamento do animal da terapia.
No Brasil, apesar dos poucos estudos realizados sobre o tema, a utilização de animais no tratamento de pacientes e o interesse da prática por profissionais de saúde têm aumentado. Contudo, a falta de regulamentação da prática limita a sua aplicação em alguns ambientes, como clínicas e hospitais. Sobre este assunto, o Projeto de Lei N° 4.455 de 2012 (BRASIL, 2012a), dispõe sobre o uso da TAA nos hospitais públicos, conveniados e cadastrados no Sistema Único de Saúde – SUS e, o Projeto de Lei N° 264 de 2012 (BRASIL, 2012b), dispõe sobre a prática da Equoterapia.
No caso da equoterapia, o cavalo deverá apresentar boa saúde, ser submetido a inspeções veterinárias regulares e ser mantido em instalações apropriadas. Centros de equoterapia poderão operar somente mediante alvará da vigilância sanitária e de acordo com normas previstas em regulamento (BRASIL, 2012b), o que deverá se estender para outras espécies animais. Diversos estudos evidenciam benefícios da TAA para os pacientes e a crescente motivação dos profissionais de saúde para a adoção da prática, mas cabe ressaltar que a saúde e o bem-estar dos animais que participam das práticas devem ser preservados, e para isso, a presença do médico veterinário na equipe torna-se fundamental, assim como a regulamentação da prática.
Expressão dos sentimentos
Os profissionais da saúde que se dedicam à terapia assistida por animais não escondem o seu entusiasmo diante dos bons resultados obtidos. “O animal oferece aos pacientes a oportunidade de expressar seus sentimentos”, observa o sociólogo francês Jerôme Michalon. “Ao contrário dos humanos, o animal não faz julgamento, o que permite ao paciente liberar sua fala e emoções. Cada cão desempenha um papel muito específico de acordo com sua personalidade. A cachorra Frufru desperta a simpatia de todos e cria uma atmosfera pacífica, propícia às trocas. Fortuna sabe como trazer de volta à realidade os pacientes presos em seu delírio ou ansiedade. A dócil Zoé ajuda a reavaliar aqueles que têm baixa autoestima. Quanto a Luna, que possui personalidade forte e voluntariosa, a enfermeira-cinoterapeuta a reserva para pacientes desprovidos de empatia ou que vivem em estado de oposição a tudo e a todos: “Para que Luna colabore, eles têm de adaptar seu comportamento”, diz Michalon.
Os resultados correspondem às expectativas e aos meios implementados? “Os benefícios variam de acordo com as patologias”, diz o psiquiatra Cyrille Guillaumont. “Observa-se uma redução dos problemas comportamentais, uma melhora nos estados depressivos e o retorno da capacidade de interagir com o mundo exterior. Para certos distúrbios, a cinoterapia torna possível evitar os tratamentos medicinais”.
Hoje, as terapias assistidas por animais saem dos limites das casas de repouso para idosos para serem aplicadas aos públicos mais diversos. “Já começamos a utilizar inclusive junto a pessoas sadias”, ressalta a etologista e psicóloga Marine Grandgeorge, da Universidade de Rennes. Especialistas da área da psicomotricidade já utilizam cães para ajudar no desenvolvimento motor de crianças na primeira infância. Em liceus da França professores usam cavalos para baixar o nível de estresse de seus alunos quando eles se aprestam a fazer provas importantes. Os animais comprovam, a cada dia, serem realmente os melhores amigos dos homens.