Imunoterapia. A nova arma contra o câncer

 

A imunoterapia possibilitou melhorar a sobrevida em muitos casos de certos tipos de câncer, mas nem todos os pacientes respondem ao tratamento. O desafio é encontrar combinações eficazes para um maior número de pessoas e de formas da doença

Por: Luis Pellegrini

O Nobel de Medicina de 2018 foi atribuído a dois cientistas, o americano James P. Allison e o japonês Tasuku Honjo, por sua descoberta de um tipo de terapia que faz com que células de defesa do organismo voltem a atacar tumores. Os dois desenvolveram separadamente pesquisas sobre duas proteínas produzidas por tumores – a CTLA-4 e a PD-1 – que paralisam o sistema imune do paciente durante o tratamento de câncer.

“Os tumores produzem proteínas, chamadas de ‘checkpoints’, que bloqueiam o linfócito T, a célula mais importante do sistema imune que ataca o tumor. Essas drogas retiram o bloqueio e recuperam o poder de ataque dos linfócitos que estavam paralisados por essas proteínas”, explica o oncologista Fernando Maluf, diretor associado do Centro de Oncologia da Beneficência Portuguesa de São Paulo.

Comentando a atribuição do Nobel aos dois premiados, a revista “Pesquisa Fapesp” informa que as contribuições de Allison para a concepção de uma terapia biológica contra o câncer começaram a se desenhar no início da década de 1990, quando ele iniciou uma série de estudos sobre a proteína CTLA-4, expressa na superfície dos linfócitos T.

Células cancerosas (Ilustração)

Tão logo o invasor é reconhecido, um conjunto de proteínas ativa o sistema imune do organismo, que passa a atacar o agente invasor. Com o tempo, os pesquisadores identificaram que outras proteínas interrompiam a ação do sistema imune no momento em que o ataque era controlado. Esse sistema orquestrado é fundamental para o mecanismo de controle do sistema imunológico, porque assegura que ele está suficientemente envolvido no ataque contra microrganismos estranhos ou células infectadas, ao mesmo tempo que evita sua ação exacerbada, o que poderia levar à destruição de células e tecidos saudáveis.

Acontece que os tumores conseguem se esquivar do ataque do sistema imune, inativando-o após algum tempo. Em outras palavras, o sistema imunológico do organismo afetado deixa de reconhecer as células tumorais como algo anormal. A partir de então, elas passam a aumentar e a proliferar-se descontroladamente, disseminando-se para órgãos e tecidos saudáveis.

Desativação

Como outros pesquisadores, Allison verificou que a CTLA-4 era uma das proteínas que bloqueavam a ação dos linfócitos T. Em 1994, ele e sua equipe da Universidade da Califórnia em Berkeley (EUA) resolveram investir no desenvolvimento de um anticorpo que se ligasse a essa proteína, desativando-a. Ao inibir a CTLA-4, os pesquisadores pretendiam soltar os freios dos linfócitos T, liberando-os para atacar as células cancerígenas.

A estratégia foi muito bem-sucedida em experimentos com camundongos. A administração do anticorpo inibiu a CTLA-4 e reativou os linfócitos T, que, agindo sobre as células tumorais, impediram sua proliferação.

Honjo identificou a proteína PD-1, que inibe a ação do sistema imunológico (Foto: Divulgação)

Apesar do desinteresse da indústria farmacêutica em levar a estratégia adiante, Allison seguiu trabalhando no aprimoramento da terapia. Em 2010, ele e sua equipe a aplicaram em pessoas com melanoma, o câncer de pele mais agressivo e letal. Em vários pacientes, os tumores simplesmente desapareceram. A Academia sueca classificou como “impressionantes” os efeitos obtidos. Esses estudos levaram ao desenvolvimento do ipilimumab, primeiro anticorpo monoclonal contra a CTLA-4 aprovado em 2011 pela Food and Drug Administration (FDA), agência que regula o comércio de alimentos e remédios nos EUA.

Em 1992, apenas alguns anos antes de Alisson iniciar seus estudos com a CTLA-4, a equipe do imunologista japonês Tasuku Honjo identificou a PD-1, outra proteína expressa na superfície dos linfócitos T. Empenhado em desvendar seu mecanismo de ação, ele a analisou em uma série de experimentos levados a cabo em seu laboratório na Universidade de Kyoto. Honjo verificou que a PD-1, assim como a CTLA-4, agia no sentido de inibir a ação do sistema imunológico. O resultado foi o desenvolvimento de um anticorpo anti-PD-1, testado em experimentos com modelos animais.

A estratégia se mostrou promissora contra o câncer. Em 2012, um estudo demonstrou sua eficácia no tratamento de indivíduos com diferentes tipos de tumor, inclusive em pacientes com câncer já em metástase.

Curas inesperadas

“Os resultados foram dramáticos, com remissão no longo prazo e possível cura em alguns pacientes com câncer metastático, uma condição que antes era considerada basicamente intratável”, afirmou a Academia sueca.

Roger Chammas, professor de oncologia na Faculdade de Medicina na Universidade de São Paulo (FMUSP) e coordenador do Centro de Investigação Translacional em Oncologia do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp), considera a premiação de Alisson e Honjo mais do que justa, uma vez que há mais de 100 anos os pesquisadores tentam usar o sistema imunológico contra os tumores. “Trata-se de um belo exemplo de um conceito que emergiu da pesquisa básica, converteu-se em uma estratégia que superou todas as etapas de estudos e testes clínicos até poder ser usada no tratamento contra alguns tipos de tumor”, destaca o médico. “Sem a pesquisa básica feita por esses imunologistas, a fundamentação teórica dessa intervenção clínica talvez não fosse possível.”

Segundo Chammas, as descobertas de Allison e Honjo representam um princípio completamente novo na terapia antitumoral porque, diferentemente das estratégias anteriores, essa não visa às células cancerígenas, mas, sim, aos mecanismos de inibição do sistema imunológico do organismo afetado. “Graças à estratégia desenvolvida por eles, atualmente dispomos de vários anticorpos monoclonais que agem sobre essa mesma via, os quais, combinados a outras abordagens, estão ajudando a aperfeiçoar a terapia tumoral”, afirma.

Caminho a desbravar

Uma ressalva é que, por ora, esses anticorpos são efetivos apenas contra tumores imunogênicos, que geram uma resposta imune do organismo hospedeiro, como no caso dos melanomas. “No entanto, hoje já existem testes laboratoriais que ajudam a predizer se o tumor responderá à imunoterapia de forma efetiva”, observa Chammas.

Os melhores resultados clínicos foram obtidos combinando os tratamentos com drogas que atua­vam tanto contra a CTLA-4 quanto contra a PD-1, principalmente em casos de melanoma e câncer renal. “A outra pesquisa importante é agora combinar as imunoterapias entre si e as imunoterapias com quimioterapias ou com os agentes dirigidos ao alvo”, avalia Fernando Maluf.

Segundo Maluf, a imunoterapia inibidora de checkpoints já é utilizada há cerca de quatro anos em pacientes com câncer em estado avançado, no Brasil e no mundo. Em nosso país existe uma droga que bloqueia a CTLA-4 e outras cinco que atuam sobre a PD-1. Tais medicamentos normalmente são utilizados em pessoas que não responderam a outros tratamentos.

Allison realizou estudos que levaram ao desenvolvimento do ipilimumab (Foto: Divulgação)

Essas drogas foram associadas a ganho de sobrevida global em tumores graves como melanoma, câncer de pulmão, de bexiga, de rim, de cabeça e pescoço, linfoma, tumores intestinais, de fígado e gástricos. São drogas que hoje fazem parte do dia a dia em várias situações importantes envolvendo tumores graves e muito avançados. Elas também acarretam menos efeitos colaterais do que a quimioterapia tradicional.

A chegada da imunoterapia trouxe novas e importantes esperanças para certos pacientes que sofrem de câncer, particularmente o melanoma e os cânceres de pulmão. Graças a essas moléculas que reativam o sistema imunológico contra as células cancerosas, a sobrevida dos pacientes melhorou consideravelmente. “Transformamos uma doença mortal em curto prazo em uma doença crônica com a qual podemos viver muitos anos. Os pacientes podem trabalhar, viajar, fazer projetos”, afirma Hervé Léna, oncologista do Hospital Central de Rennes, na França.

No Congresso Mundial de Oncologia de Chicago (Asco), realizado de 1º a 5 de junho de 2018, foram apresentados numerosos estudos que demonstram a superioridade desses tratamentos por meios imunológicos face à quimioterapia convencional.

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