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Bomba H. Que aconteceria se ela explodisse no Pacífico

 

Enquanto os dois principais políticos-clowns-ensandecidos do momento mundial – Kim Jong Un, da Coreia do Norte, e Donald Trump, dos Estados Unidos – brincam de trocar insultos e ameaças de mútua destruição com o uso de bombas nucleares, os cientistas tentam imaginar qual impacto teria, em termos ecológicos, a detonação de uma bomba de hidrogênio no Oceano Pacífico.

Por: Luis Pellegrini

Para se entender as reais dimensões da ameaça que paira sobre nossas cabeças na forma de bombas de tremendo poder destrutivo, precisamos de um pouco de informação científica. Para começar, a diferença entre a bomba atômica e a de hidrogênio é a mesma que entre um traque de festa junina e uma banana de dinamite: a potência. É com uma bomba quase oito vezes mais potente daquela que em 1945 destruiu Hiroshima que a Coreia do Norte ameaça o mundo.

A coluna de água levantada pelo teste da bomba nuclear Baker, realizado pelos Estados Unidos nas Ilhas Marshall no dia 25 de julho de 1946. A bomba explodiu sob as águas, a uma profundidade de 27 metros, e o cogumelo atômico alcançou a altitude de mais de 500 metros. Foto: National Nuclear Security Administration/Nevada Field Office

Onze anos depois do primeiro teste nuclear conduzido pela Coreia do Norte e passados oito anos do primeiro teste considerado bem sucedido pela comunidade internacional, o país de Kim Jong Un fez detonar a sua primeira bomba de hidrogênio. Foi 10 vezes mais potente do que a última bomba detonada pela Coreia do Norte e quase oito vezes mais potente do que Little Boy, a bomba que explodiu em Hiroshima em 1945. Todas as diferenças entre uma bomba atômica e uma bomba de hidrogênio se resumem nisso mesmo: a potência.

Uma central nuclear, uma estrela

A bomba atômica funciona de forma semelhante a uma central nuclear. A bomba de hidrogênio funciona como o núcleo de uma estrela. Uma bomba atômica tem por base um processo chamado fissão nuclear. Esse processo ocorre quando uma partícula subatômica, o nêutron, colide com o núcleo de átomos de urânio, tornando-os instáveis. Para se tornarem mais estáveis, os átomos de urânio desintegram-se. Dessa desintegração nascem átomos de bário e de criptônio, são libertadas grandes quantidades de energia e são largados três nêutrons. Esses nêutrons podem continuar a colidir com outros átomos de urânio numa reação de fissão nuclear em cadeia. Processos como este são os que ocorrem dentro de uma central nuclear ou quando uma bomba atômica explode.

Kim Jong Un, acompanhado de seus ministros militares, apresenta suas bombas ao mundo.

Mas uma bomba de hidrogênio é muito mais poderosa porque funciona com base no mesmo processo que ocorre no núcleo das estrelas: a fusão nuclear. Durante a fusão nuclear, os núcleos de dois átomos fundem-se para formar um núcleo maior. Dentro de uma bomba de hidrogênio, este processo acontece através de dois isótopos de átomos de hidrogênio: o deutério, que tem um próton e um nêutron e o trítio, que tem um próton mas dois nêutrons.

Este processo precisa de muita energia para ser desencadeado e só pode acontecer a uma temperatura de pelo menos 50 milhões de graus centígrados, daí as bombas de hidrogênio também serem denominadas bombas termonucleares. No entanto, a fusão nuclear liberta muito mais energia do que aquela que consome.

Uma reação em cadeia

Então de onde vem a energia que funciona como gatilho para as bombas de hidrogênio? A maior das bombas termonucleares criadas até agora tem uma bomba atômica incorporada no seu interior, que ao explodir e ao desencadear um processo de fissão nuclear leva à libertação de grandes quantidades de energia na forma de raios-X. É essa a energia que vai originar o processo de fusão nuclear típico de uma bomba de hidrogênio. Mas o processo não fica por aqui: como essa energia viaja à velocidade da luz, ela chega aos átomos de hidrogênio mais depressa do que a onda de choque que faz explodir a bomba. Por causa disso, cria-se dentro da bomba de hidrogênio uma reação de cadeia que alterna entre uma fusão nuclear e uma fissão nuclear até que a bomba ceda e liberte toda essa energia acumulada.

Algumas vítimas das catástrofes que, em 1945, destruíram as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki.

E então, agora que podemos imaginar o tamanho da encrenca, que aconteceria se as ameaças do ditador norte-coreano de fazer explodir uma bomba de hidrogênio sobre o Oceano Pacífico se tornassem realidade? Quais seriam, para além das consequências geopolíticas, as repercussões no ecossistema mundial?

O ministro do exterior da Coreia do Norte declarou há pouco que poderia tratar-se da mais potente bomba de hidrogênio jamais feita explodir sobre o oceano. Este seria o primeiro teste atômico sobre o mar levado a efeito na atmosfera desde 1980. Foi neste ano que a China levou a cabo uma explosão atômica não subterrânea.

Devastação inicial

O efeito destrutivo mais imediato e devastador de um gesto tresloucado como esse derivaria da energia explosiva do artefato. Com efeito, a bomba de hidrogênio que a Coreia do Norte afirma possuir poderia gerar uma detonação equivalente à da explosão de 15 milhões de toneladas de dinamite, mil vezes mais potente do que aquela que demoliu a cidade de Hiroshima.

A razão disso reside na conformação em dois estágios da bomba H, na qual, como dizia acima na introdução científica, a fissão nuclear é usada para desencadear uma primeira explosão que, por sua vez, desencadeará a reação de fusão nuclear propriamente dita. Só para dar algumas medidas de comparação, o teste de explosão de uma bomba de hidrogênio (o assim chamado “Mike Teste”) executado pelos estados Unidos na ilha de Elugelab, no Pacífico, em 1952, liberou uma potência de 11 megatons, 800 vezes a da bomba de Hiroshima, e uma onda de calor abrasador que alcançou um raio de 65 quilômetros.

Hiroshima, dias após a explosão da bomba atômica norte-americana em 1945.

Cinzas e cratera

A explosão da bomba norte-coreana cancelaria todo e qualquer traço de vida marinha num raio de várias centenas de quilômetros, instantaneamente. Nos reefs (zonas coralinas das ilhas) poderiam ser criadas crateras permanentes, como aquela de 1,6 quilômetros de largura que surgiu por causa da bomba termonuclear norte-americana Shrimp que explodiu no atol de Bikini em 1954. Essa explosão destruiu 200 bilhões de toneladas de barreira coralina, transformando os fragmentos em uma chuva radioativa que logo depois caiu sobretudo sobre as ilhas situadas a leste do local. Essa chuva causou mortes e doenças entre os moradores das Ilhas Marshall, das quais Bikini faz parte, e seus efeitos perduram até hoje.

Os ventos transportariam as cinzas radioativas por centenas, provavelmente milhares de quilômetros; as imprevisíveis mutações genéticas causadas nas espécies que conseguissem sobreviver prosseguiriam atuantes durante muitas gerações. As larvas e os ovos dos animais marinhos são particularmente vulneráveis a esse tipo de dano: as consequências fatalmente se repercutiriam na cadeia alimentar global, até chegar aos animais de tamanho maior que constituem nosso alimento.

As cabeleiras estão trocadas. Mas as semelhanças entre Trump e Kim Jong Un são maiores do que parece

As partículas radioativas acabariam por contaminar o ar, o solo e as reservas aquíferas subterrâneas de todo o planeta. Ainda hoje, a mais de 60 anos da operação Castle Bravo conduzida pelos Estados Unidos no atol de Bikini, na ilha se registram níveis alarmantes de radioatividade.

Inverno nuclear 

A fumaça liberada pelo cogumelo atômico tornaria impossível, além disso, a sobrevivência dos organismos que desempenham a fotossíntese. Isso desde que a Coreia do Norte faça cair o artefato de modo controlado – a partir de um avião, de um barco, de um balão atmosférico.

Se, por outro lado, a bomba fosse carregada por um míssil balístico intercontinental, lançado por exemplo de um submarino, surgiriam também os problemas ligados à incerteza do lançamento e à possibilidade de um fracasso. O vetor poderia explodir em pleno voo, fazendo com que a bomba exploda em um lugar e a uma altitude não previstos e, portanto, com efeitos não quantificáveis.

Vídeo: A história das explosões nucleares em time-lapse