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Aquecimento global. Nem os vermes escapam às mudanças climáticas

Lombrigas, tênias solitárias, oxiúros, giárdias, pulgas, carrapatos, percevejos, ácaros. Pequenos vampiros asquerosos que vivem às nossas custas, dentro e fora dos nossos corpos e os dos animais. Segundo um novo estudo, uma em cada três espécies de parasitas pode desaparecer nos próximos cem anos. Ao contrário do que possa parecer, isso não é uma boa notícia.

Por: Carl Zimmer

Fonte: Jornal The New York Times

Em todo o mundo os animais enfrentam mudanças drásticas em seus modos de vida por causa das mudanças climáticas. Inclusive os parasitas, pois eles também são animais. Recentemente realizou -se o primeiro estudo em grande escala sobre o que as alterações climáticas podem vir a fazer a esses odiados seres (artigo publicado a 6 de setembro na revista Science Advances). A equipe chegou à surpreendente conclusão: uma em cada três espécies de parasitas enfrentará a extinção nos próximos cem anos.

Os cientistas descobriram que à medida que a temperatura média do planeta aumentar, muitas espécies poderão perder os seus habitats. Alguns dos que os parasitam, também. “Fiquei surpreendido”, afirmou Colin J. Carlson, autor principal do estudo, da Universidade de Berkeley, Califórnia (EUA).

Vespa esmeralda (parte central da cabeça)

Carlson sabe que muitas pessoas ficarão contentes ao ter conhecimento das suas conclusões. “É difícil defender os parasitas”, ele. Mas por mais que lombrigas e assemelhados nos enojem, os parasitas são essenciais ao ecossistema mundial. A sua extinção pode afetar as redes alimentares (associações de cadeias alimentares interligando diferentes organismos de um ecossistema), quando não a saúde mundial. Os parasitas merecem tanto respeito como o conquistado pelos grandes predadores nas últimas décadas. Os lobos já foram considerados tão repugnantes e perigosos como vermes, mas à medida que eles foram desaparecendo, dizimados pelos seres humanos, os ecossistemas onde eles viviam se alteraram para pior.

Os cientistas perceberam que tal como outros predadores, os lobos mantinham as populações das suas presas (herbívoros) controladas, o que permitia às plantas prosperarem. Quando os lobos foram reintroduzidos em locais como o Parque Nacional de Yellowstone os ecossistemas locais, que estavam muito danificados, renasceram.

Os investigadores começam agora a estudar o papel desempenhado pelos parasitas que compõem a maior parte da biomassa em alguns ecossistemas e superam em número os seus predadores numa escala de 20 para 1.

Por mais que os parasitas nos possam enojar, a verdade é que eles são essenciais ao ecossistema mundial

Durante décadas os cientistas que estudaram as cadeias alimentares estabeleceram relações entre espécies, por exemplo entre os búfalos e os leões que destes se alimentam. Aquilo que não se preocuparam em estudar foi o papel dos parasitas que se alimentam dos seus hospedeiros. Acontece que mais de 80% das linhas de uma determinada rede alimentar são ligações a parasitas. Estes têm um papel preponderante na cadeia alimentar.

Os parasitas podem controlar populações inteiras de hospedeiros. Alguns são mortos imediatamente após a contaminação; outros hospedeiros, uma vez infetados, perdem a capacidade de se reproduzir, pois os parasitas monopolizam os recursos que seriam necessários para produzir óvulos ou esperma. Alguns saltam de hospedeiro para hospedeiro, fazendo com que as presas sejam mais fáceis de apanhar pelos predadores.

Papel positivo dos parasitas

E se, afinal, esses animaizinhos horrorosos tivessem um papel importante no ambiente que tanto queremos salvar? “Se assim for, os parasitas devem ser tão protegidos quanto os seus hospedeiros”, afirmou Kevin D. Lafferty, ecologista da Universidade de Santa Bárbara, Califórnia (EUA), que não esteve envolvido no estudo.

O aquecimento global complica muito esse quadro. Os cientistas já investigaram o destino de algumas espécies de parasitas, mas Carlson e os seus colegas queriam ter uma visão global do impacto das alterações climáticas. Começaram a trabalhar com a Coleção Nacional de Parasitas, fundada em 1892, agora propriedade do Instituto Smithsoniano (importante organismo científico e cultural dos EUA). É uma das maiores coleções mundiais e conta com mais de 20 milhões de exemplares, uns preservados em frascos com álcool, outros montados em placas.

Os carrapatos, por exemplo, podem torrar ao permanecer escondidos na relva enquanto aguardam a próxima vítima

Ao determinar a gama atual de cada espécie de parasita, Carlson e os seus colegas conseguiram estimar o tipo de clima em que conseguem sobreviver e como reagiriam num mundo mais quente. Demoraram cinco anos para elaborar esta base mundial de dados geográficos. Para conseguir isso utilizaram as velhas etiquetas e informações guardadas junto com os espécimes, uma tarefa ciclópica. “Às vezes as informações limitavam-se a uma palavra: ‘ilha’ ou “oceano”, conta Colin J. Carlson. “Imaginem o desespero. “Após catalogar a coleção, a equipe ficou com uma lista de 53.133 parasitas e dados suficientes para basear o seu estudo. As informações obtidas são sobre 457 espécies de cestodes (classe de vermes parasitas a que pertencem as tênias), carrapatos, pulgas e outros.

Os parasitas vivem geralmente dentro ou em cima dos hospedeiros, mas isso não os protege das alterações climáticas. O aumento das temperaturas pode prejudicá-los. Os carrapatos, por exemplo, podem assar escondidos na relva enquanto aguardam a próxima vitima. As larvas de ancilostomíase (um tipo de parasita intestinal) precisam de solo úmido para sobreviver antes de invadir um hospedeiro. E os parasitas precisam dos seus hospedeiros: se estes desaparecerem, eles também desaparecem. Por causa disto, Colin e a equipe também avaliaram as hipóteses de sobrevivência dos hospedeiros face às alterações climáticas.

Os investigadores juntaram todos estes fatores para avaliar o perigo que ameaça cada tipo de parasita. A alteração climática não vai mudar muito para alguns. As larvas de ancilostomíase, por exemplo, têm boas chances de sobrevivência porque os seus hospedeiros, peixes e aves, são animais comuns que existem por todo o planeta. Mas outros, como as pulgas e as tênias, podem não conseguir tolerar um grande aumento da temperatura; por fim, muitos outros só infectam hospedeiros ameaçados de extinção.

Ao todo, 30% das espécies de parasitas podem desaparecer, prevê Carlson. As repercussões das alterações climáticas serão tão graves, ou talvez mais, para estas espécies do que para todas as outras estudadas até agora.

Invasão de novos territórios

Segundo Kevin D. Lafferty, estes novos resultados contradizem outros estudos de menor envergadura, que chegaram a conclusões opostas. “Temos tendência a pensar que o número de parasitas e as doenças por estes provocadas aumentarão com a diminuição da biodiversidade”.

Por seu lado, Colin J. Carlson afirma que o efeito das alterações climáticas não se limita ao desaparecimento de espécies. Alguns parasitas procurarão novos territórios. Os carrapatos chamadas “dos veados”, por exemplo, transmitem a doença de Lyme e, a acreditar nos modelos de previsão das alterações climáticas, vão proliferar, mudando-se mais para norte. “Não estamos preocupados com o seu desaparecimento”, assegura o investigador. Estes parasitas migrarão para ecossistemas que tenham sido abandonados por outras espécies. Com menos concorrência poderão provocar mais danos e não apenas nos animais que lhes servem de hospedeiros.

Muitas das doenças dos seres humanos são o resultado de parasitas e de agentes patogênicos que passam dos animais para nós. “Se os parasitas, ao competirem com os agentes patogênicos, conseguem conter as doenças entre os animais, talvez façam indiretamente a mesma coisa com os homens”, explica Colin J. Carlson. “Aí está um benefício que corremos o risco de perder”.