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O prazer do café. Um aliado, ou um inimigo?

 

A cafeína, alcaloide extraído do café, é a substância psicoativa mais consumida do mundo. Ela é perigosa para a saúde? Faz mal? Ou é benéfica e faz bem? A ciência dá o seu veredito a respeito dessa bebida-símbolo do nosso país. E a matéria explica como ela age no nosso cérebro.

Por: Equipe Oásis

Para muitos, o aroma do café no início da manhã já é suficiente para fazer pular da cama e dar início a mais uma jornada de atividades. Ao longo dela, nos momentos de cansaço ou sonolência, uma xícara de bom café põe as coisas em ordem. O poder energético do café é tão poderoso que, há séculos, a ciência se pergunta se a paixão pela cafeína não é na verdade uma forma bem aceita de dependência química, e se isso chega a ser prejudicial para a saúde.

O primeiro a tentar uma experiência – não exatamente científica – sobre o tema foi, no século 18, o rei Gustavo III da Suécia. Ele ordenou que fosse fornecido durante toda a vida, a dois irmãos gêmeos condenados a prisão perpétua, três xícaras de café ou três taças de chá todos os dias. Ambos os irmãos-cobaia sobreviveram aos pesquisadores e ao próprio rei (que foi assassinado).

Pesquisas mais recentes eliminaram as suspeitas de que o café (mas não a temperatura da bebida) pudesse ser cancerígeno. Pelo contrário, evidenciaram os seus efeitos benéficos, por exemplo, para a manutenção da integridade do DNA.

O maior problema parece estar relacionado ao consumo excessivo da bebida. Assim sendo, procurou-se definir com clareza qual a dosagem diária de café que não deve ser superada. E também foram estudados os processos pelos quais o café nos mantem acordados (e de bom humor), bem como a questão da dependência da cafeína.

Que acontece quando bebemos um café

Na boca continuamos a sentir durante um bom tempo aquele agradável sabor amargo característico da bebida. Enquanto isso, a cafeína se dissolve e se difunde rapidamente nos fluídos do nosso corpo. Em poucos minutos ela chega ao cérebro, onde se liga aos receptores do organismo que induzem sonolência. Eis porque o café faz passar durante algum tempo a sensação de sono e cansaço: ele age como um frio momentâneo ao impulso de dormir.

O pico de concentração da cafeína no sangue acontece 45-60 minutos depois da ingestão da bebida; no arco de 3-5 horas, o fígado irá decompor a cafeína ingerida e a adenosina (substância produzida pelo cérebro que induz ao sono) volta a assumir o seu lugar, que fora ocupado pela cafeína. Se a pessoa precisar continuar acordada, poderá sentir o desejo de tomar mais uma xícara de café.

As proteínas receptoras da adenosina no cérebro também estão conectadas aos receptores da dopamina, um neurotransmissor envolvido no circuito do prazer e da sensação de bom humor. A cafeína, ao se ligar aos receptores, os torna mais sensíveis à dopamina, e como resultado percebemos um efeito geral de bem estar.

A cafeína, afinal, é uma “droga”? 

Mas é fato que a dopamina está quase sempre envolvida nas dependências: nicotina, álcool ou cocaína interferem no circuito de recompensa no cérebro, incrementando a produção de dopamina em algumas áreas e nos empurrando, de fato, a repetir um comportamento danoso. Com o café acontece a mesma coisa, mas, diferentemente de outras substâncias, a cafeína não faz aumentar a quantidade de dopamina. Ela apenas torna nosso cérebro mais sensível àquela que já se encontra em circulação (isso foi comprovado em laboratório com o uso de ratos e também de cobaias humanas).

Para Astrid Nehlig, diretora de pesquisa junto ao French National Institute of Health and Medical Research, que há 30 anos estuda os efeitos da cafeína, as dependências por definição exercem um efeito negativo na vida das pessoas. Mas isso parece não ser válido para a cafeína: “Nos tornamos dependentes da cafeína, mas não porque gostamos dela, e sim porque ela nos mantem mais despertos, provoca uma sensação de bem estar, nos torna mais produtivos. Com frequência bebemos café em situações de convívio social: nos encontramos, tomamos um cafezinho… faz parte de um ritual social”, explica a doutora Astrid.

Mas a cafeína, então, é útil para a saúde? 

Se os benefícios a curto prazo da cafeína são óbvios, a pesquisa científica já demonstrou que eles vão bem mais além do que simplesmente nos manter acordados durante mais tempo. Quem toma café regularmente, sem abusar, durante toda a vida, parece mais protegido contra doenças degenerativas graves como Alzheimer e Parkinson.

As razões disso ainda não estão bem esclarecidas: a cafeína poderia desempenhar um papel na redução da proteína beta-amiloide que forma as clássicas placas no cérebro dos pacientes com Alzheimer. Uma outra hipótese é que se trata mais que tudo de uma correlação: as pessoas que bebem regularmente café teriam também um estilo de vida mais ativo, e seriam por isso mais protegidas contra condições neurovegetativas. Beber café nas horas diurnas ajuda a manter os ritmos circadianos regulares, um fator de proteção importante contra muitas doenças (do diabetes aos distúrbios mentais).

Qual é a medida justa?

Para se gozar ao máximo dos benefícios da cafeína, sem perturbações do sono ou consequências ruins para a saúde, a ciência sugere um consumo diários que não supere 3 ou 4 xícaras ao máximo. Mas a verdade é que os efeitos dessa substância são altamente subjetivos: diversos estudos genéticos identificaram específicas variantes genéticas que parecem predispor ao metabolismo da cafeína (e portanto a um seu maior consumo).

Esse discurso vale para as pessoas que gozam de boa saúde: para quem tem problemas de pressão alta ou de coração, para as crianças e as mulheres grávidas, vale sempre a regra de consumir com maior cautela e inclusive a da abstenção. Sem esquecer que o tema dos “energy drinks” é um capítulo à parte: essas bebidas com alto teor de cafeína são com efeito consumidas em grandes quantidades ou combinadas com o álcool, com efeitos danosos sobre a saúde.

Em casos extremos, no entanto, a cafeína pode ser mortal: 10 gramas de cafeína são quase sempre suficientes para provocar reações que levam diretamente a uma parada cardíaca. Um xícara de café, porém, contem menos de 100 miligramas (0,1 grama) de cafeína. Seria necessário portanto tomar cerca de 100 xícaras de café em rápida sequência para se chegar a uma dose mortal da substância.