Gêmeos: Encrenqueiros do zodíaco

A 21 de maio o Sol entra no meu signo, Gêmeos. Tiro da gaveta um texto que produzi em 2001, para o livro “Astrologia – Doze portais mágicos”, Editora Talento. Dos doze autores (cada um escreveu sobre um signo) sou o único não-astrólogo. Maria Thereza Sandoval, produtora do livro, decidiu me convidar apostando na mítica capacidade de improvisação dos geminianos. “Vamos ver se um geminiano como você é capaz de escrever um texto astrológico apesar de não ser astrólogo”, disse ela. Decidi encarar. O resultado aí está. Espero que interesse a todos os meus irmãos de signo, e também aos não-geminianos. Sobretudo àqueles que, por causa da inexorável lei do karma, tiveram ou têm de se relacionar com um desses encrenqueiros do zodíaco.

 Texto de Luis Pellegrini 

Nasci sob o signo de Gêmeos, ascendente Gêmeos, com cinco planetas em Gêmeos e mais três planetas na casa três, a casa de Gêmeos. Geminiano prá ninguém botar defeito (a não ser aqueles defeitos que são inevitáveis em alguém de Gêmeos).

Tentei, quando tinha vinte e poucos anos e sabia tudo a respeito de nada, levar adiante um caso de amor com uma taurina ascendente Capricórnio. A história começou bem, mas acabou mal. Não lamento, no entanto, esse fracasso romântico. Ele acabou se convertendo no marco inicial do meu interesse pela astrologia. Nunca me transformei, na verdade, num astrólogo – não sei sequer montar direito um horóscopo. Mas desenvolvi um gosto duradouro pelo raciocínio astrológico e pelos arquétipos e mitos relacionados a esse sistema de conhecimento.

Era bonita aquela taurina! Merecia a proteção de Vênus, o planeta regente do seu signo. O problema era que, como algumas dignas filhas dessa deusa, ela via a si própria como a própria estrela-d’alva, o astro brilhante que nas madrugadas surge a Leste e parece querer ofuscar o próprio sol. Seu maior desejo era que o cavalheiro a seu lado orbitasse ao seu redor sem cessar, hipnotizado e totalmente rendido a seu fascínio. Talvez um ariano, um bom filho de Marte, daqueles cheios de força física e vazios de pensar, fosse capaz de dançar a coreografia exclusivista que aquela taurina exigia. Mas eu, volátil e mutável por desígnio de meu pai Mercúrio – e ainda por cima, naqueles tempos, bem magrinho – não conseguia me prestar aos seus jogos venusinos de sedução. Isso a deixava simplesmente doida.

Certa noite – lembro-me como se fosse agora -, depois de travarmos um bem sucedido embate sob os lençóis, resolvi me entregar a meu deleite preferido: aninhei-me entre seus braços perfumados e… fui embora. O corpo ficou bem presente. Mas o pensamento foi para longe, muito longe, levado pelas asas do sentimento do dever cumprido, livre e solto para viajar no tempo e no espaço. O paraíso!

A voz enérgica da taurina, acompanhada por um safanão nada carinhoso, trouxe-me de volta: “Onde você está? Você vai embora e me abandona quando eu mais preciso de você. O que você acha que eu sou? Um simples corpo para ser usado e depois jogado fora como casca de banana? Eu existo, eu estou aqui, entendeu?”

Ela começou a desfiar um rosário de lamentos e reclamações que parecia não ter fim. Mas eu gostava daquela taurina, às vezes achava até que estava me apaixonando, e por isso decidi ouvir tudo com paciência. Enquanto ela soltava os cachorros, eu pensava: “Daqui a pouco ela vai cansar, eu então lhe farei um cafuné, lhe darei um beijo daqueles de tirar o fôlego, e tudo ficará bem”. Engano meu. Nunca subestime o vigor de uma taurina na revolta. Uns vinte minutos depois do início do seu discurso ela ainda não dava sinais de trégua.

Foi então que, no auge da indignação, ela disse uma coisa e fez um gesto que quebrou meu encantamento para sempre. Com a mão direita fechada, como se apertasse o meu pescoço, ela exclamou: “Quero você aqui, inteiro, seguro na minha mão!”. Naquele mesmo instante, para mim, ela deixou de ser uma bela morena taurina para se transformar numa terrível e ameaçadora mão fechada, prestes a me sufocar. No dia seguinte, fiz minha trouxa e fui embora – desta vez de corpo e alma. Mão fechada é coisa que não suporto.

Desde a mais remota antiguidade, o mistério que cerca o nascimento de gêmeos despertou o interesse e foi considerado sinal de algum acontecimento transcendental.

Anos depois, durante uma aula do meu primeiro professor de astrologia – o engenheiro argentino Lívio Vinardi, o criador da disciplina que batizou de biopsicoenergética  – entendi a razão do meu horror à imagem da mão que agarra e aprisiona: essa razão chama-se Mercúrio, o regente do signo de Gêmeos.

Não à toa, explicava Lívio, mercúrio foi o metal escolhido para simbolizar esse arquétipo. Mercúrio é metal mesmo, dotado de todas as propriedades dos metais. Mas, diferente dos outros, trata-se de um metal líquido. Só é possível mantê-lo na palma da mão aberta. Se tentarmos agarrá-lo fechando a mão, ele se fragmenta em muitas gotículas que escapam por entre os dedos.

Qualquer estreita analogia com as características das pessoas regidas pelo planeta Mercúrio – particularmente os geminianos – não é mera coincidência. Posso garantir.

Por que nós, mercurianos, não suportamos a sensação de aprisionamento? É simples: a prisão imobiliza, e a imobilidade, para nós, é sinônimo de morte. Gêmeos-Sagitário – o eixo astrológico onde o destino nos situou, é um sendeiro em geral nervoso e inquieto onde tudo é determinado pelo movimento. No caso de Sagitário, trata-se de um movimento longo que percorre grandes distâncias, que atravessa os horizontes e vai além, como a flecha disparada pelo mítico centauro arqueiro que esse signo simboliza, e cujo alvo é o Centro, o Self, o Eu Impessoal. No caso de Gêmeos, o movimento é mais curto, pendular, um vai-e-vem entre todos os pares de opostos/complementares. Assim é que, pertencentes ao mais mutável dos signos, nós geminianos passamos a vida a oscilar entre os claros e os escuros, as noites e os dias, as alegrias e as tristezas, os masculinos e os femininos. As más línguas chegam até a dizer que somos naturalmente andróginos. Mas isso diz respeito apenas à nossa psique inata, posso garantir. Nossa indefinição em matéria de gêneros não é nem mais forte nem mais fraca do que a dos demais signos.

Aliás, dizem uma série de coisas horríveis a nosso respeito. Dizem que Gêmeos é o signo dos ladrões, dos embusteiros e oportunistas, dos instáveis, dos simuladores. Mas nós não somos ladrões. Apenas, somos daqueles que, como se costuma dizer, pedem emprestado e esquecem de devolver. Nem somos embusteiros e oportunistas: somos inteligentes e seletivos (Gêmeos é um signo mental); não temos culpa se conseguimos discernir com relativa facilidade os vários aspectos de uma mesma situação, e se somos quase sempre capazes de escolher para nós mesmos o aspecto mais interessante que ela apresenta. Instáveis? Só na aparência. Na verdade, como já disse, somos pendulares. Simuladores? Não: atores. Temos a percepção inata de que o mundo é um grande teatro (um grande circo?) onde se representa uma infindável comédia dramática chamada vida. Nela, todos nós temos um papel. A diferença é que os geminianos são em geral mais capazes de escolher o seu próprio papel e são também hábeis em mudar subitamente a máscara. Ah, antes que me esqueça: somos também bastante vaidosos e até mesmo cabotinos em relação à nossa condição geminiana, como se pode depreender destas minhas considerações.

Anjo ou diabo? A natureza instável e pendular do geminiano faz com que muitos o considerem um bipolar natural.

O caráter ambíguo de Gêmeos tem a ver com a natureza dupla do signo, e provavelmente encontra sua origem no mito básico que sustenta esse arquétipo: o mito grego do deus Hermes.

Hermes, que os romanos mais tarde chamaram de Mercúrio, foi no início um garotinho realmente endiabrado. Filho de Zeus e da ninfa Maia, era fruto de um dos muitos amores adúlteros do Senhor do Olimpo. Deus “diurno”, Zeus representa a luz da consciência em expansão; Maia correspondia a uma antiga deusa egípcia associada à noite, às forças da natureza e aos poderes do inconsciente. Hermes, produto da união desses dois princípios opostos/complementares, ilustra a possibilidade de integração da luz com a sombra, do consciente com o inconsciente. Sua missão, portanto, é investigar e favorecer todas as possibilidades imagináveis de relação entre as diversas dualidades. Filhos transcendentais de Hermes/Mercúrio, os geminianos herdaram dele a tendência determinante de “viajar” sem descanso entre os pares de opostos, em busca daquele ponto essencial de equilíbrio e de síntese que Jung chamou de Self e que é também, como já disse, o objetivo primordial do destino de Sagitário. Nesse sentido, a diferença essencial entre os dois signos é que o sôfrego Sagitário quer ir direto ao pote, enquanto Gêmeos prefere encontrá-lo no sinuoso jogo de cintura da adaptabilidade e da mutação.

Diz o mito grego que quando a ciumenta Hera, esposa de Zeus, soube da gravidez de Maia, entrou num dos seus habituais saracuticos de fúria e se pôs mais uma vez a quebrar todas as porcelanas do Olimpo. Apavorada, a ninfa procurou refúgio no fundo de uma caverna situada no Monte Cilene. Foi lá que ela pariu Hermes, sozinha e sem ajuda. Exausta pelo parto, Maia envolveu o recém nascido em faixas, colocou-o numa cesta que escondeu no oco de um tronco de salgueiro, e em seguida adormeceu.

Há gêmeos de todos os tipos e para todos os gostos.

Acham que o bebê ficou lá, quietinho? Engano. Assim que a mãe adormeceu ele se liberou das faixas e saiu em busca de aventura. Roubar o rebanho de vacas do seu meio-irmão Apolo foi a primeira travessura que Hermes cometeu. Para apagar os rastos das reses roubadas, amarrou ramos de árvores às suas patas e escondeu o rebanho numa caverna. Em seguida, matou duas vacas como oferenda aos deuses, dividindo-as em doze partes. Mas os deuses eram apenas onze. Adivinhem para quem ele dedicou a décima-segunda parte? Para si próprio, ora, colocando-se desse modo no panteão olímpico. Depois, das tripas das vacas sacrificadas, secas ao fogo, fez cordas que prendeu ao casco vazio de uma tartaruga. Criou, desse modo, a primeira lira – simplesmente o símbolo metafórico da harmonia cósmica! Em seguida, enrolou-se novamente nas faixas e voltou para sua cesta, no oco do salgueiro.

“O movimento está presente em sua vida desde o início. Em seu primeiro dia de vida, Hermes roubou o gado de Apolo, ofereceu um sacrifício aos deuses, criou e tocou a lira, e voltou para seu berço, como um inocente recém-nascido. Este dia foi um prelúdio, onde todos os temas característicos de Hermes e dos geminianos estiveram presentes”, diz a astróloga carioca Lúcia Scavone em seu livro Viagem mitológica através da astrologia.

Apolo, com sua visão divina, descobriu o autor do roubo e carregou Hermes para ser julgado perante Zeus, Senhor do Olimpo e pai de ambos. Textos antigos narram a argumentação usada pelo menino para negar a autoria do crime e parecem ter sido criados por geniais dramaturgos de comédias. Com ar de total inocência, engatinhando e balbuciando como um bebê de poucos meses, ele insiste: “Sou tão pequenino, como poderia ter roubado um rebanho inteiro de vacas? Onde encontraria forças para puxar as cordas e construir um instrumento musical?”

Zeus – que no fundo se divertia com as proezas e a incrível cara-de-pau do menino – ordenou a Hermes que devolvesse o gado e pedisse desculpas a seu irmão. Também ordenou a ele que a partir daquele dia respeitasse a propriedade alheia e nunca mais mentisse. Ao que Hermes retorquiu, com uma promessa que merece muita reflexão por todo aquele que deseja conhecer o arquétipo psicológico de Gêmeos: “Se assim é, faz de mim teu mensageiro, Pai. Faz de mim a ‘ponte’ entre deuses e deuses, entre deuses e homens e entre homens e homens. Prometo não mais roubar. Prometo não mais mentir. Mas não posso prometer que direi sempre toda a verdade”.

Zeus aceitou a promessa condicional. Sagrou Hermes o Mensageiro Olímpico, tornando-o, dentre todos os seres, o único que pode descer ao inferno e voltar à Terra. O único que pode viajar livremente entre o Céu, a Terra e o Mundo Subterrâneo ou Ctônico.

Atividades ligadas à comunicação são as mais favoráveis para os geminianos: jornalistas, escritores, vendedores, atores, apresentadores de televisão, etc.

Deus da comunicação, intermediário universal, Hermes/Mercúrio protege também os nascidos sob o signo de Virgem, mas de forma diferente. Esse deus costuma conferir a seus filhos geminianos as virtudes e atributos necessários ao bom desenvolvimento da função essencial deles: a intermediação. Por isso, a astrologia sugere que as profissões mais favoráveis aos geminianos têm quase sempre algo a ver com a comunicação e o movimento: jornalistas, escritores, viajantes, lingüistas, vendedores, atores, diplomatas, etc. Todas elas, como podemos perceber, profissões que fazem largo uso das funções mentais. A tal ponto que, creio eu, o velho adágio “Uma mente ociosa é oficina do diabo” só pode ser invenção de algum geminiano. Só a mente – universo geminiano por excelência, onde surgem e se movem rápidos os pensamentos – é capaz de nutrir a permanente necessidade de movimento e mudança dos nativos desse signo. Quando, por força das circunstâncias, essa necessidade é obrigada a se traduzir prioritariamente através da atividade corporal ou emocional, o geminiano entra em risco de exaustão e, de conseqüência, de surgimento de moléstias físicas e psíquicas. Mais que a mente, o corpo físico e a máquina emocional humana precisam de grandes períodos de repouso para se refazerem. Repouso que só raramente os geminianos estão dispostos a se conceder.

O elemento de Gêmeos é o Ar mutável – representação metafísica do pensamento dialético. Essa qualidade específica do elemento Ar simboliza a capacidade de observar e de analisar, de classificar racionalmente os dados, de examinar as coisas com objetividade. Trata-se da mente consciente (Mercúrio) processando a informação.  Em Virgem – outro signo mutável ou duplo – atua um outro aspecto de Mercúrio: o de Hermes Psicopompo, o Condutor de Almas, aquele que após a morte as leva aos planos existenciais celestes ou infernais. Mais que em Gêmeos, Mercúrio em Virgem veste as roupagens esotéricas do deus iniciador, do instrutor de artes mágicas, e inclusive do curador.

Os signos mutáveis – Gêmeos (Ar), Virgem (Terra), Sagitário (Fogo) e Peixes (Água) – que a Tradição também chama de duplos, aparecem como os mais difíceis de apreender. Entre os indivíduos inspirados dos signos cardeais e os homens e mulheres de ação representados pelos fixos, se insere o mundo lusco-fusco dos intermediários simbolizados pelos signos mutáveis.

Da mesma forma que na criação dos tapetes, na tecelagem da vida existem os fios da trama e os fios da urdidura. Mas, sem a ação do tecelão, sem a aparição do movimento, não haveria nenhum tecido. Com os signos mutáveis, dos quais o primeiro é Gêmeos, penetramos no domínio fluido, múltiplo e impalpável do jogo e da mobilidade.

Essa mobilidade, no caso dos geminianos, não se manifesta apenas na estrutura e na atividade da mente consciente, mas também – e de modo em geral bastante complexo – na estrutura e na atividade da psique dos nativos desse signo.

Mais que no mito de Hermes, a natureza da psique geminiana é ilustrada por um outro mito grego, o dos gêmeos Castor e Pólux, também chamados Dióscuros. Eram filhos de Leda, esposa do rei Tíndaro de Esparta. Zeus transformou-se em cisne para seduzir Leda, que botou dois ovos em conseqüência dessa união. Do primeiro ovo nasceram Castor e Clitemnestra. Ambos eram crianças mortais, pois esse ovo fora fecundado por Tíndaro. Do outro ovo nasceram Pólux e Helena, que eram filhos de Zeus e, portanto, imortais.

No decorrer da sua história, já adolescentes, Castor e Pólux lutaram com outro par de gêmeos, os irmãos Idas e Linceu. No combate, Castor foi morto. A dor de Pólux foi tão grande pela perda do gêmeo amado que ele suplicou a seu pai, Zeus, para trazer seu irmão de volta à vida, ou aceitar a sua própria vida como resgate pela de Castor. Zeus teve compaixão dos gêmeos, permitindo que eles gozassem alternadamente o benefício da vida, passando um dia no reino subterrâneo de Hades (o Plutão romano) e o dia seguinte na morada celeste do Olimpo.

Esse mito reflete uma experiência cíclica de opostos fundamental para a compreensão da psique geminiana. Quando ela está polarizada no reino dos mortais, vivencia o amargo da morte e da escuridão. Quando está polarizada na luz do mundo divino, possibilita ao geminiano partilhar do prazer dos deuses. Por causa dessa característica fundamental, Gêmeos é em geral considerado como um signo de humor variável, instável, com tendência a oscilar entre a alegria e a depressão. Em Gêmeos, talvez mais que em qualquer outro signo, tem-se a experiência conflitante do “aprisionamento” num corpo mortal, com seu senso de perda, de morte ou de transitoriedade de todas as coisas, e da percepção exaltada da realidade do espírito e das coisas eternas e permanentes.

Graças a esse jogo dialético entre os opostos/complementares, Gêmeos é a criança travessa sempre desejosa de brincar – com todas as virtudes e defeitos que uma criança pode ter. Mas ele também pode, num piscar de olhos, transformar-se num velho matreiro e experiente – com todas as virtudes e defeitos que um velho pode ter.

Marcia e Millie são gêmeas, uma é branca, a outra é negra. Ser geminiano é uma questão de alma, e não de cor de pele.

“Jogo” e “jogar” são, por sinal, duas idéias constantes na natureza geminiana. Michel Sokoloff, astrólogo e escultor francês, cunhou expressões muito interessantes para sintetizar as diferenças fundamentais entre os três tipos astrológicos de base. Ele diz que “os Cardinais Sapiens (Áries, Câncer, Libra e Capricórnio) nos oferecem a imagem do princípio puro; os Fixos Faber (Touro, Leão, Escorpião e Aquário) a imagem da realização e da encarnação; os Mutáveis Ludens (Gêmeos, Virgem, Sagitário e Peixes) nos oferecem a imagem do movimento com as contradições inerentes à circulação dos valores”.

Gêmeos é a encarnação por excelência dos valores do jogo. Trata-se aqui do jogo pelo jogo, como expressão da pura inteligência das relações. Nada em Gêmeos é estável ou parado. Ele está sempre em movimento, em evolução permanente. Funâmbulo e malabarista, ele tem dificuldade para levar realmente a sério a sua própria vida e a dos outros. Tem horror a que o considerem ingênuo ou pouco esperto, e por isso, quando mal fornido de valores éticos e morais, tenta enganar e lograr para afirmar, sobretudo a si mesmo, a sua “superioridade”.

Sua prodigiosa mobilidade é sem dúvida a maior responsável pela manutenção prolongada da sua juventude. Ele é um eterno adolescente.

Gêmeos, no entanto, carrega em si todas as contradições. É o mais curioso e mais inquieto dos seres, mas pode tornar-se o ser mais desapegado e recolhido, o mais afastado da vida. Ele, que busca antes de tudo a comunicação com os outros, pode subitamente “cortar o contato”, ou manifestar uma total incapacidade de estabelecê-lo.

Mesmo quando é instável, leve, inconstante, ele é capaz de encontrar sua unidade interior quando decide com firmeza resolver sua própria dualidade. É quase sempre através da realização de uma obra que Gêmeos se unifica.

Quando Gêmeos deixa de viver como um basbaque, quando deixa de ver a vida passar inutilmente e aceita participar com seriedade do jogo existencial, não mais como um amador ou diletante, mas como alguém realmente engajado, ele poderá contar com todos os recursos da sua inteligência.

Cosme e Damião, santos gêmeos, na tradição afro-brasileira representam as “crianças”, entidades espirituais ligadas à vida lúdica, à alegria, a curiosidade e o prazer dos sentidos.

Para agir no mundo, Gêmeos possui trunfos poderosos: o charme, a sutileza, a diplomacia, uma espécie de desenvoltura natural que seduz mais do que irrita. Quando ele assume realmente o personagem que escolheu para si no teatro da existência, sua vida criará raízes e ele poderá enfim construir sua obra.

Seu equilíbrio encontra-se na multiplicidade do jogo, na sua disponibilidade fundamental que lhe permite tudo absorver e tudo assimilar. Uma condição, no entanto, tem de ser respeitada para que essa realização plena aconteça: Gêmeos tem de restituir ao mundo, através de uma obra, todos os conhecimento adquiridos; tem de mergulhar até o fundo de sua missão transcendental de estabelecer a relação entre as idéias e os fatos.

Como todos os nativos de signos mutáveis, Gêmeos vive no relativo. A dúvida estimula sua inteligência, sem enfraquecer sua psique. Ignorando a certeza, intuindo que a verdade absoluta é inalcançável, Gêmeos nunca é sectário. Ao contrário, ele joga à vontade com os princípios, inclusive aqueles opostos, experimenta, raciocina, argumenta, servindo-se seja da sua razão seja da sua intuição com uma lógica rigorosa da qual os outros raramente percebem o desenrolar. Gêmeos pode partir da abstração para atingir o concreto.

O amor, particularmente em sua concepção romântica, é um dos maiores desafios de Gêmeos. Sua necessidade de dispersão, sua recusa sistemática de vínculos definitivos que ele sente como grilhões, com freqüência dificultam e até mesmo impedem a sua realização afetiva, até mesmo para aqueles geminianos que conseguem chegar a uma real maturidade psicológica.

Repórter de si mesmo, da vida e do mundo, muitos geminianos escolhem o caminho do passeante vadio que satisfaz dessa forma a sua instabilidade e o seu desejo constante de horizontes renovados. Mas quando uma pessoa de Gêmeos aceita assumir plenamente seu personagem – no terreno da arte, por exemplo – ela pode oferecer ao mundo o produto puro da sua inteligência. Como o filósofo Jean-Paul Sartre que, certamente sem o saber, definiu nesses termos a natureza profunda de Gêmeos: “O importante não é aquilo que fazemos de nós mesmos, mas sim aquilo que fazemos daquilo que o mundo fez de nós”. Ou então, como o compositor Stravinsky, capaz de abordar todos os gêneros musicais, capaz de obter inspiração das fontes as mais diversas, recusando sempre se encerrar num estilo imutável. E o poeta Fernando Pessoa, com todos os seus heterônimos, exemplo vivo e perfeito da mente e da psique geminiana.

A mágica Marilyn, encarnação perfeita do feminino geminiano.

A galeria de espíritos geminianos célebres não tem fim. Mas ninguém, creio eu, encarnou melhor a anima geminiana do que Marilyn Monroe. É sobretudo no seu sorriso de menina-moça, ao mesmo tempo inocente e malicioso, angelical e encapetado, que o feminino geminiano encontra sua perfeita expressão. Não no seu corpo de formas redondas e fartas, nem na sua cabeleira loira abundante: eles são de Leão, seu signo ascendente. Com Marilyn,  a mistura das magias de Gêmeos e de Leão produziu a mais poderosa bomba de sexo e charme que o cinema do Século Vinte conseguiu nos regalar.

Marilyn “nunca foi santa” (não é esse o nome de um dos seus filmes?). Leve e solta, ela atuou e amou no mundo segundo o padrão arquetípico do feminino geminiano: como uma borboleta sensual a vagar de flor em flor – de amante em amante, de marido em marido, de amigo em amigo. Não por compulsão promíscua, nem muito menos por luxúria, mas simplesmente por desejo irrefreável de relação, de diálogo, de troca e de compreensão verdadeira das coisas da vida e do mundo. Em busca do seu gêmeo, do seu animus, que ela tentou encontrar em cada um dos homens que passaram por sua vida, mas esqueceu de procurar no lugar onde ele estava: dentro de si mesma.

Seu destino foi selado no encontro amoroso com dois “gêmeos” todo-poderosos, os irmãos John e Robert Kennedy. Diante deles Marilyn pretendeu, talvez, realizar o secreto sonho-louco de Gêmeos: estabelecer o direito de tudo ousar. Eterna adolescente, como todo geminiano ela aspirava trazer o mundo distante e estrangeiro para a esfera do seu mundo próximo e familiar. A tarefa ultrapassou suas forças e ela sucumbiu à própria ousadia. Seu aspecto Castor, mortal, desapareceu. No entanto, seu lado Pólux continua a brilhar como estrela imortal na constelação dos Gêmeos.

Para um duplo geminiano, dois e dois não fazem necessariamente quatro. Podem fazer três mais um. O quarto gêmeo é um mistério até para o próprio geminiano. Ele é o que parece, mas não é.

*Imagem de capa: Poloneses, os gêmeos Cesar aproveitam a curiosidade natural das pessoas em relação aos “irmãos iguais”. Ganham muito bem exibindo-se em espetáculos pelo mundo a fora.

Originally posted 2010-05-20 16:42:35.

Comentários

comentários

16 pensou em “Gêmeos: Encrenqueiros do zodíaco

  1. roseli

    Adoro ser geminianaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa !
    Amei o texto. Abraços, Roseli

  2. Luis Pellegrini Autor do post

    Entao, seja bem vindo, Luis Maisson!

  3. Maisson Passos

    Boa tarde Luis (xará de signo e nome), gostei de sua escrita e a encontrei por acaso procurando o meu blog que havia esquecido o endereço, quando coloquei meu codinome – Mercurio – no google encontrei o teu blog. Vou ler com mais atenção sobre nosso signo. Abraço

  4. Luis Pellegrini Autor do post

    Marta, o livro Astrologia – Doze portais magicos, esta praticamente esgotado. Mas Maria Thereza Sandoval, que teve a ideia de encomendar o livro e a coragem de patrocina-lo, acaba de me presentear alguns exemplares do final da edicao. Vou te presentear com um deles, em homenagem a nossa velha amizade, e aos tempos em que trabalhamos juntos na Livraria Zipak. Beijao. E estou no momento na Franca, em Paris, a trabalho. Volto a SP no dia 24 de outubro.

  5. Marta Lúcia Pereira Vieira

    Luis, seus textos são maravilhosos. Tenho alguns amigos geminianos, e eles tem uma alma bem louca mesmo. Como sou do signo de áquario, a mesma trilogia de Gemeos (AR) – me entendo muito bem com eles.
    É difícil encontrar um exemplar de “Astrologia – Doze Portais Mágicos”?
    Estou com saudades.
    bjs
    Marta Lúcia

  6. Luis Pellegrini Autor do post

    Cara Sonia, você, como sempre, dando uma força para o amigos! Abs

  7. Luis Pellegrini Autor do post

    E um pequeno elfo está me dizendo que você, Leda, assim tão geminiana, gosta de moda, de figurinos para teatro e cinema, é muito talentosa, e faz cenografia, artes plásticas em geral, e que adora desenvolver teses complexas e univesidades pelo mundo afora, sobretudo as escolas inglesas. O elfo acertou?

  8. Luis Pellegrini Autor do post

    Querida Cleide, sem dúvida, não faltarão ocasiões! Foi um prazer reve-la. Abração.

  9. Cleide Guedes

    Luís, como sempre, seu texto é impecável. Geminiana de Ascendente que sou, compreendo bem a louca alma desse signo. Pena que nosso encontro de hoje foi tão passageiro. Não faltarão oportunidades para colocarmos os assuntos em dia. Beijão
    IN LUX
    Cleide

  10. Leda

    Puro brilho geminiano!!!
    Fico feliz de ser geminiana!!!!!
    Obrigada por um texto tao bonito e inteligente!
    Leda….
    e me chamo Leda….

  11. Sonia Weil

    Já tinha lido o seu texto no livro, anos atrás. Mas foi muito bom relê-lo. Lindo, lindo, lindo! Beijo

  12. maria thereza conde sandoval

    Querido, a idéia de fazer o livro “Astrologia – Doze Portais Mágicos” pode ter sido minha, mas o Talento é seu e de todos os outros astrólogos que escreveram no livro. E lá se vão 9 anos desde o lançamento, um ciclo de Urano, e agora o livro já é quase inexistente. Sobraram apenas alguns exemplares, e ele está sendo super requisitado. Olha a vida como é. Não fosse eu ascendente aquario…
    Adoro você. Beijos. Maria Thereza

  13. Raquel Gallena

    Luis, obrigada por ter me addc.
    Adorei seu bem humorado texto sobre o meu signo, o melhor de todos.
    Penso que agora entendo-me um pouquinho melhor, obrigada.
    Quando puder aparecer lá na Mataganza, poderemos discutir melhor esse assunto.
    Abraços, Raquel.

  14. Luis Pellegrini Autor do post

    Fadanina, que bom que você está aí! E como vai aquele mar maravilhoso de Natal? Abração.

  15. Janaina Montenegro

    Ando com saudade de vc …muita saudade mesmo…amei esse texto tão lindo…aliás como tudo que fazes….beijo, beijo…sucesso!
    Nina

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