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Catarina Paraguaçu. Matriarca do Brasil

A Bahia nestes dias está em festa por causa de uma índia que viveu nas primeiras décadas do século 16, logo após a chegada de Cabral ao litoral sul baiano. Catarina Paraguaçu, indígena tupinambá que há 495 anos se converteu ao catolicismo na França, é considerada a “mãe das mães brasileiras”, a matriarca do Brasil, e isto não é um mero título honorífico: sua união com o português Diogo Álvares, o Caramuru, simboliza a mistura de raças e culturas que deu origem à identidade nacional. Ela é, portanto, um marco fundamental da formação daquilo que chamaríamos de “alma brasileira”.

Por Luis Pellegrini

Catarina Paraguaçu foi pioneira em muitos pontos: também foi a primeira mulher alfabetizada do Brasil, pois aprendeu a ler e escrever em francês quando acompanhou seu marido à França em 1526. Ela foi batizada em Saint-Malo com o nome de Catarina do Brasil e recebeu a bênção do próprio rei da França, Francisco I, também conhecido como “rei-cavaleiro”.

Catarina Paraguaçu e seu marido Caramuru

Além disso, Catarina Paraguaçu teve uma forte devoção à Virgem Maria e foi agraciada com visões místicas em seus sonhos. Ela teria sonhado com náufragos que precisavam de ajuda e com uma imagem da Virgem com o Menino Jesus que foi encontrada na praia. Ela mandou construir uma capela para abrigar a imagem, que hoje está na Igreja da Graça, em Salvador, onde ela também está sepultada. A Igreja todos os anos realiza grande missa comemorativa em memória a Catarina e seu marido Caramuru.

Igreja de Nossa Senhora da Graça, em Salvador

Igreja de Nossa Senhora da Graça é sua última morada

Fazendo uma pequena digressão, quem conhece o Bairro da Graça, em Salvador, sabe que se trata de um dos mais belos e tradicionais da cidade, no qual ainda existem mansões e verdadeiros palacetes, que resistem heroicamente à sanha demolidora de monumentos históricos e artísticos, que há cerca de 100 anos vem fazendo estragos irreparáveis à arquitetura tradicional e de bom gosto de nossos prédios através dos quais podíamos idealizar  e melhor compreender o que foi a Cidade de Salvador nos séculos passados.
O bairro da Graça possui uma das Igrejas mais antigas da Bahia que seguramente é a primeira dedicada a Nossa Senhora em nossas baianas. O local no qual a Igreja está edificada tem  um grande significado na história da cidade, pois ali residiram  os dois legendários personagens acima mencionados, Diogo Álvares Correia, o Caramuru e  Catarina Paraguaçu.

Catarina e o marido, Caramuru

Não se sabe a data certa do nascimento de Catarina, mas levando em consideração a documentação de seu batismo, que ocorreu em Saint Malo na França, em 28 de julho de 1528, quando tinha ela em torno de 16 anos, presume-se que ela nasceu em 1512.
Com Caramuru teve 4 filhas e veio a falecer em 1586. Seu testamento existente até hoje, deixa seus bens para os monges beneditinos. Seus restos mortais repousam na Igreja da Graça, em Salvador. Segundo sua certidão de batismo encontrada no Canadá (!), seu nome verdadeiro seria “ Guaibimpará” e  não “Paraguaçú” (nome que significa “mar grande”), como escreve Frei José de Santa Rita Durão em seu poema” Caramuru”.
Filha do morubixaba Taparica, da nação Tupinambá, casou-se com o português Diogo Álvares Correia, conhecido como” Caramuru” – Homem de fogo.

Pintura mostrando Catarina que salva seu futuro marido da morte pelos tupinambás

Conforme a legenda dourada em torno da vida deste insólito personagem, indissoluvelmente associada à de sua esposa, a embarcação em que vinha Diogo, proveniente da Europa, naufragou no mar da Mariquita em 1510, no Rio Vermelho, Baía de Todos os Santos. Seus companheiros foram mortos pelos tupinambás, mas ele conseguiu sobreviver, por seu espírito animado e alegre, e porque dias após, disparou de forma certeira e mortal seu mosquete sobre uma ave e com isto amedrontou e encheu de admiração os indígenas, que assustados gritaram: Caramuru – que significa “ homem  de Fogo”, ou algo assemelhado. A partir de então, passou a viver entre os tupinambás, com este nome, prestando-lhes grandes serviços, seja no campo de batalha como da mediação e arbitragem com outras tribos

Como tudo na Bahia, Catarina é hoje é personagem do sincretismo afro-indígena-brasileiro

De acordo com o costume terrível de alguns povos indígenas que aqui habitavam, ele ia ser por eles devorado mas salvou-se graças aos disparos de sua arma e à intercessão da índia Paraguaçu, junto a seu pai que era o cacique da tribo. Embora ela estivesse prometida ao índio Gupeva, seu pai deu-a em “casamento” a Caramuru e quando já tinham filhos viajaram para a França.

Alfabetizada em francês

Chegaram em Paris e foram acolhidos pelo Rei Francisco I que providenciou o batismo da nossa índia e seu casamento cristão com Diogo Corrêa, o qual foi celebrado por um bispo em Saint-Malo. O Rei e a Rainha foram seus padrinhos e a ela foi dado o nome Catarina. Voltando à Bahia, o casal foi muito importante no estabelecimento de alianças e de uma boa convivência entre os índios e os portugueses.
Suas filhas casaram-se com colonos portugueses vindos com Martim Afonso de Sousa, dos quais descendem, entre outras famílias importantes, os Garcia d’Ávila. Quando o primeiro Governador-Geral, Tomé de Sousa, chegou à Bahia em 1549, Caramuru ainda vivia, assim como durante o governo de Duarte da Costa.

Lápide de Catarina na Igreja da Graça, Salvador, onde estão seus restos mortais

Catarina Paraguaçu foi uma mulher de grande importância para a formação da alma brasileira, pois representou a integração entre os povos indígenas e os colonizadores europeus, a difusão da fé cristã e da cultura letrada, e a valorização da diversidade e da tolerância. Ela é uma figura histórica e lendária que inspirou obras literárias, artísticas e cinematográficas.