Por Luis Pellegrini
A nenhum político que desconheça a Lei do Retorno deveria ser permitido construir carreira. É imensa no entanto a lista dos homens e mulheres públicos que a ignoram. A lista no momento é encabeçada por Donald Trump.
Também conhecida como a Lei da Causa e Efeito, é um princípio que afirma que tudo o que fazemos, de bom ou de ruim, retorna para nós de alguma forma. A Lei do Retorno pode ser associada à Terceira Lei de Newton, que afirma: “Para toda ação, há uma reação de igual intensidade, mas em sentido oposto”. Embora Newton tenha formulado essa lei no contexto da física (movimento e forças), ela também pode ser interpretada de forma filosófica e comportamental. Assim como na física, nossas ações no mundo geram reações proporcionais, sejam positivas ou negativas. Por exemplo: Se você trata os outros com respeito e bondade, é provável que receba o mesmo em troca. Se age com maldade ou injustiça, pode acabar enfrentando consequências negativas. Essa conexão entre a ciência e a filosofia mostra que a ideia da Lei do Retorno está presente tanto na natureza quanto na vida cotidiana.
Vale lembrar que também as religiões e a sabedoria popular reconhecem a importância fundamental e perene da Lei do Retorno, e recomendam que ela seja bem compreendida e respeitada. A Bíblia, especialmente no livro de Provérbios, traz várias passagens que refletem essa ideia. Aqui estão algumas: Provérbios 11:25 – “A alma generosa prosperará, e aquele que atende também será atendido.” Isso mostra que quem faz o bem recebe o bem de volta. Provérbios 22:8 – “O que semeia a perversidade segará males, e a vara da sua indignação falhará.” Aqui vemos que quem age com maldade acabará colhendo consequências negativas.
Provérbios 26:27 – “O que abre uma cova cairá nela, e o que revolve a pedra, esta voltará sobre ele. “Esse versículo ensina que aqueles que tramam contra os outros acabam sendo vítimas de seus próprios planos.
E quem não se lembra dos ditos da sabedoria popular que refletem a Lei do Retorno? “Aqui se faz, aqui se paga.” Indicando que nossas ações têm consequências, sejam boas ou ruins. Ou ainda: “Quem planta vento, colhe tempestade”. Se alguém semeia discórdia ou maldade, acabará sofrendo as consequências. E vai por aí a fora.
No entanto, a mente do novo presidente dos Estados Unidos parece impermeável à percepção da sabedoria multimilenar da Lei do Retorno. O exemplo mais recente dessa incapacidade de Trump para prever e avaliar as consequências dos seus próprios atos e palavras aconteceu esta semana: as eleições na Groenlândia.
Foram pequenas eleições locais realizadas na última terça-feira, 11 de março. Mas a cupidez declarada de Donald Trump as colocou sob os holofotes globais. No próprio discurso de posse, a 25 de janeiro último, Trump declarou em alto e bom som que tomaria a Groenlândia. “Será nossa de uma forma ou de outra”, afirmou, repetindo isso até na semana passada durante seu discurso sobre o Estado da União.
Consequência imediata dessa fala arrogante: ela se alastrou entre os groenlandeses como rastilho de pólvora. O Parlamento da ilha decidiu antecipar as eleições marcadas para o final de abril. Os partidos se uniram de forma nunca antes vista, esquerda com direita e centro, unidos na defesa do bem comum: sua própria terra. Os resultados das urnas, abertas e computadas nesta quarta-feira, deram vitória absoluta ao movimento independentista. Dos cinco partidos da Groenlândia, quatro defendem a independência total, e apenas um, minoritário, prefere que o país permaneça na sua condição atual de território autônomo da Dinamarca. Ninguém quer se tornar súdito dos Estados Unidos. Centenas de jornalistas estrangeiros, que foram a Nook, capital da ilha, relatam que ao falar com populares e citar a ideia trumpiana de anexação do país aos EUA, ouviam como resposta uma série de imprecações em inuit, dinamarquês e inglês, as três línguas que todo groenlandês fala correntemente.
O grau de desinformação de Donald Trump sobre a realidade do mundo que o circunda parece ser realmente muito alto. Ele parece ignorar que há muito tempo os groenlandeses deixaram de ser simples esquimós caçadores de focas para se tornar uma população pequena, porém super bem educada e informada. Sobretudo, perfeitamente ciente das riquezas que possuem e da importância estratégica da ilha. Sabem perfeitamente que Trump cobiça os recursos de gás, metais, urânio, petróleo e as “terras raras” essenciais para as novas tecnologias, que o derretimento do gelo, causado pelo aquecimento global, está tornando cada vez mais acessíveis. Sem falar na importância estratégica que a posição geográfica representa para as novas rotas marítimas árticas recentemente abertas pelo derretimento da calota polar do Norte.
O território groenlandês tem mais de 2 milhões de quilômetros quadrados, do tamanho da França, Alemanha, Espanha, Reino Unido, Itália, Grécia, Suíça e Bélgica juntos. É a maior ilha do mundo. Coberta de gelo em 90% do seu território, também tem a menor população: apenas 58 mil habitantes, a maioria de etnia inuit. Desses, 40 mil são eleitores convocados às urnas para decidir a composição do novo Inatsisartut, o parlamento local unicameral, que elege 31 membros a cada quatro anos.
“Vocês nos chamam de Esquimós Paki, ‘macacos árticos’. Nos roubam, nos exploram, nos obrigam a ser algo que não somos…”, diz o rapper groenlandês Josef Tarrak-Petrussen, com as tatuagens do orgulho inuit no queixo, dando voz à raiva de seus contemporâneos e às aspirações independentistas de quem sempre se sentiu deixado para trás.
É justamente nessa raiva e nessas aspirações que Trump apostou: “A maioria dos groenlandeses não quer mais ser dinamarquesa”, disse ele, citando uma pesquisa de 2018 que indica que 57% dos cidadãos apoiam a separação da Dinamarca. Mas a situação é mais complexa. Uma nova pesquisa, realizada em janeiro pelo jornal local Sermitsiaq em colaboração com a rádio dinamarquesa Berlingske, revelou que 85% dos groenlandeses não querem se tornar parte dos EUA. Apenas 6% são favoráveis, enquanto 9% estavam indecisos.
Desinformado da realidade, Trump quer“de um jeito ou de outro” se apoderar da Groenlândia. Mas se esqueceu de combinar com os groenlandeses. E, mais uma vez, a Lei do Retorno funcionou.