Talismãs – A arte de chamar a sorte

 

Fiz este artigo para a revista Criativa há alguns anos. Ele pertence a uma fase quando pesquisava ritos e tradições muito antigas, ligados aos “poderes” mágicos e paranormais das pessoas e das coisas. Talismãs e amuletos fazem parte do número infinito de objetos e situações que o ser humano inventa para conseguir que “o outro lado da existência” lhe dê uma mãozinha.

 Texto de Luis Pellegrini

Aquela velha frase dos espanhóis “yo no creo en brujas, pero que las hay las hay” (não acredito em bruxas, mas com certeza elas existem), vale também para os talismãs e amuletos: “Não acredito neles, mas se ganhar um, não vou jogar fora”. Quem, alguma vez, não usou um desses objetos destinados a atrair a sorte, afastar o azar, ou proteger contra malefícios?

Os chaveiros feitos de pé de coelho, lembram-se? Os mascotes pendurados no espelho retrovisor dos carros, os braceletes, anéis, medalhas, colares, ferraduras, o raminho de arruda atrás da orelha, as fitas do Senhor do Bonfim, as figas baianas e toda a miríade de patuás do candomblé e da umbanda, será que foram desde sempre usados apenas como enfeites?

Talismãs e amuletos já existiam nos tempos das cavernas e, desde então, a crença nos seus poderes mágicos continua a ser exatamente a mesma. Mas pouca gente sabe que cada um deles possui um significado próprio, uma história que às vezes os liga a crenças e a conhecimentos muito, muito antigos.

Os chaveiros feitos com pé de coelho, por exemplo, estão ligados a uma tradição mágica antiquíssima, já que o coelho herdou os poderes mágicos e protetores que na Antiguidade, eram atribuídos à lebre. Os objetos de ferro, como as ferraduras e os cravos que servem para fixá-las às patas do cavalo contêm, por seu lado, a força antidemoníaca desse metal. Da mesma forma que um pedaço de carvão – ainda hoje levado no bolso de muita gente na Europa – encerra e guarda, de modo latente, o poder protetor, estimulador e purificador do fogo.

Para começar, é preciso estabelecer uma diferença: talismãs servem para atrair influências favoráveis e chamar a sorte; amuletos têm o poder de afastar o azar e criar uma barreira mágica protetora contra más influências. Outra distinção: um talismã é geralmente concebido para desempenhar objetivos precisos, enquanto o amuleto é quase sempre destinado a proteger contra o mal em geral.

Os primeiros talismãs foram representações de animais incômodos ou perigosos: o rato, o lobo, a serpente, etc. Tratava-se da aplicação da mais antiga de todas as formas de magia, a “magia imitativa”, que atua segundo os princípios das semelhanças e das analogias. Na mentalidade do homem primitivo, o fato de honrar-se a imagem de um animal subornava a sua “alma”, e com isso o animal deixava de atacar. Por outro lado, no caso específico dos amuletos, a idéia de que ele proporcionava uma espécie de imunidade baseava-se na antiga lei do similia similibus (o semelhante atrai o semelhante): um animal, ou uma força maléfica, não ataca a quem leva sobre si uma parte desse animal ou dessa força maléfica (os zulus, na África, lambuzam o próprio corpo com excremento de crocodilo antes de atravessar a nado um rio infestado desses répteis).

Talismãs e amuletos africanos. Todas as culturas animistas fazem uso desses objetos de proteção.

Talismãs e amuletos são encontrados em todos os lugares e em todos os tempos. Nas portas das casas e dos templos da Assíria colocavam-se estátuas talismânicas; Moisés fabricou uma serpente de bronze para preservar os israelitas das picadas das serpentes (Números, XXI, 8); o historiador romano Gervásio conta que o poeta Virgílio colocou uma mosca de bronze sobre uma das portas da sua casa em Nápoles, o que impediu, durante oito anos, que esses insetos entrassem na casa; as tradições rabínicas contam que, graças a providências semelhantes, nunca apareciam moscas nos lugares onde se matavam animais para os sacrifícios rituais.

Há várias teorias para explicar a eficácia dos talismãs e dos amuletos. Os ocultistas geralmente explicam a sua ação a partir de conceitos da energética sutil. O fabricante ou o utilizador de um desses fetiches concentra seus pensamentos e sua vontade sobre o objeto, transformando-o num acumulador psíquico capaz de atrair vibrações positivas (talismãs), ou de criar uma barreira também psíquica eficaz contra os maus influxos (amuleto). Magos especialistas nessa arte afirmam poder converter uma jóia, uma pedra preciosa ou outro objeto qualquer num talismã ou amuleto. A idéia central dessa técnica mágica é a de que cada pessoa tem a sua própria classe de vibração mental e astral, e qualquer objeto que tenha estado longo tempo em contato com ela está saturado dessas vibrações e pode, por sua vez, irradiá-las ou comunicá-las a outras pessoas que carreguem tal objeto ou que se coloquem em contato íntimo com o mesmo. O estudioso francês Felix Llauge explica de forma analógica como funcionam os talismãs: “Quando nos encontramos na presença de uma bela flor, de perfume delicado e cores irradiantes, sentimo-nos arrebatados e uma suave alegria invade nosso ser; percebemos, se estivermos atentos, que nossa vitalidade aumenta, mesmo que seja em dose mínima, porém real; de modo semelhante atua sobre nós a magia talismânica”. Llauge observa ainda uma certa reciprocidade de forças biológicas entre o homem e a flor: quanto mais nossa saúde é perfeita, mais duradoura será a vida e o frescor da flor que possuímos; enquanto que, nas mãos de uma pessoa enferma, ela murchará mais rapidamente. O mesmo vale para talismãs e amuletos.

Képri, o escaravelho sagrado, era um dos amuletos mais usados no Antigo Egito, tanto pelos vivos quanto aplicado nas múmias dos mortos.

Há também teorias que explicam a eficácia dos talismãs e amuletos unicamente por razões psicológicas. À moda de placebos – aquelas pilulinhas inócuas, feitas de pura farinha ou açúcar, que são dadas a pacientes convencidos de que estão ingerindo alguma panacéia universal capaz de curar-lhes e que, muitas vezes… realmente curam – os fetiches desencadeariam na mente da pessoa uma corrente positiva poderosa. Tão poderosa que seria capaz de produzir os mesmos efeitos atribuídos à magia dos talismãs e amuletos. Estes funcionariam, na verdade, como suportes materiais para a consolidação de formas-pensamento de cura, de proteção, de atração da boa sorte. Como se sabe, somos o que pensamos…

Nos países árabes, sobretudo no Marrocos, a mão protetora – também chamada Hamsa ou “mão de Fátima” – é um dos símbolos de proteção mais tradicionais.

Mas essas razões de fundo psicológico são recentes, e entram na onda atual de querer tudo explicar pelos poderes da mente e da psique humanas. Os verdadeiros especialistas da magia talismânica não vão atrás disso, e preferem acreditar que a força talismânica emana do próprio objeto trabalhado como fetiche. Ele seria dotado de um verdadeiro poder, capaz de alterar – para melhor ou para pior – o curso da vida de uma pessoa, de um grupo, de uma comunidade.

Há também correntes do ocultismo moderno que afirmam serem válidas as duas teorias: o fetiche possui um poder em si, e seu uso também desencadeia efeitos positivos na mente e na psique de quem os carrega.

A rigor, qualquer objeto pode ser transformado e usado como talismã ou amuleto. Mas eles são, em geral, ligados a outros conhecimentos, como os da astrologia, da alquimia e da cabala. Bem como, no caso de tradições xamânicas como a afro-brasileira, às pedras, cores, metais e vegetais correspondentes aos diversos orixás pessoais.

É possível fazer um talismã ou amuleto sem recorrer aos préstimos de um bruxo especializado? Sim, é possível. Todos nós nascemos sob algum signo zodiacal, cujo símbolo, pedra, cor ou metal poderá ser utilizado. Além disso, segundo as leis da magia, todos nós possuímos força mental e psíquica capaz de impregnar um objeto destinado a se tornar fetiche. Basta dar a essa força o sentido que convém – seja ele de proteção, ou de atração de boas vibrações. Como se dá sentido a um objeto? Usando-se a força da vontade e da imaginação, dois poderes extraordinários de que o ser humano pode dispor. Segure o fetiche em suas mãos, olhe firme para ele – é pelo olhar, assim como pelas palavras, que transmitimos energia psíquica -, concentre sua mente e seu coração no objeto e naquilo que você quer dele. Faça isso repetidas vezes, e pronto. Você mesmo terá feito o seu talismã.

A cada signo zodiacal corresponde um a ou mais pedras preciosas e semi-preciosas.

O poder das pedras preciosas

As pedras, criação natural, sempre foram consideradas material sagrado. Desde os meteoritos ou as pontas de flecha feitas de sílex pelos homens primitivos, até as pedras preciosas e semipreciosas, elas sempre foram veneradas por suas propriedades misteriosas, tornando-se material favorito para a confecção de talismãs e amuletos. A astrologia classifica as pedras segundo o setenário dos planetas e, mesmo nas sociedades modernas, existem crenças acerca de pedras que trazem felicidade ou desgraça.

Estas são algumas das principais pedras, com suas respectivas virtudes talismânicas, segundo várias escolas de magia ocidental e oriental:

Ágata: Utiliza-se esta pedra segundo os desenhos formados pelas suas nervuras internas. Se ela apresenta a figura de algum animal, protegerá contra ataques do mesmo e, ao mesmo tempo, trará para a pessoa as qualidades simbolizadas nesse animal (por exemplo, um desenho de tartaruga traz  longevidade). Uma ágata que traga a figura de uma árvore assegura boa colheita ao agricultor. A ágata unicolor proporciona invencibilidade aos atletas. É excelente para proteger contra picadas venenosas. Pode curar a hidropisia devido a seu poder absorvente. A ágata é geralmente profilática, e dá a seu portador graça, poder de persuasão e boa saúde. Um amuleto triangular de ágata pendurado no pescoço elimina os transtornos intestinais (tradição síria). Da mesma forma, um pedaço de ágata escura previne contra a diarréia (Egito moderno). A água onde esteve submergida uma ágata elimina a esterilidade das mulheres. A ágata previne contra acidentes e possui grande poder contra o mau-olhado (Pérsia).

Ametista: Do grego amethustus (que não se deixa embriagar). Protege contra a embriaguez (tradição grega). O nome do sol e da lua gravados nessa pedra, atada ao pescoço junto a uma pluma de pavão, é proteção contra o mau-olhado (tradição romana relatada por Plínio). Utilizada contra a gota, a ametista também proporciona sonhos agradáveis e imuniza contra venenos.

Âmbar: Possui propriedades secadoras e absorventes (medicina grega antiga). É boa contra o bócio (Plínio). Previne contra as perdas e as inundações. Num colar, o âmbar pode curar a difteria, a asma e a tosse. Com seu odor, o âmbar queimado ajuda na solução dos partos difíceis. Um pedaço de âmbar colocado no nariz detém o derramamento de sangue pelas narinas. Também é utilizado contra o mau-olhado. Em pó, o âmbar evita abortos e cura furúnculos (tradição árabe). Recortado em forma de animais (leão, peixe, cão, etc.) favorece a virilidade e a fecundidade (China).

Coral: Cura os transtornos da pele. Fortifica o coração (segundo o sábio árabe Avicena). Cura as hemorragias (mundo árabe). Previne contra disenteria (Grécia). É bom para doenças dos olhos. Com uma serpente gravada, previne contra os inimigos e as feridas.

Cornalina: Acalma a cólera. Aumenta o vigor nas batalhas. Alegra o espírito, evita os pesadelos, afasta o medo, preserva contra malefícios, afasta feitiços.

Cristal de rocha: Proporciona alta dignidade. Evita os terrores noturnos (tradição árabe). Cura as enfermidades dos rebanhos (tradição inglesa). Cura as dores nos rins (Plínio). Os povos primitivos consideram o cristal uma “pedra da vitória”. Para os índios mexicanos, as almas habitavam os cristais.

Diamante: Engastado num anel de prata, protege contra os inimigos, a insônia e os fantasmas. Resiste às artes maléficas, afasta o temor, predispõe à vitória, espanta as feras selvagens, subjuga os fantasmas e as aparições. Protege contra os venenos e os bruxos. Impede a luxúria e favorece a castidade (tradição russa).

Esmeralda: Consagrada por um mago, dá liberdade ao prisioneiro. Permite adivinhar o futuro. Favorece as artes adivinhatórias e permite recuperar objetos perdidos. É usada contra epilepsia, anemia e outras debilidades orgânicas. Reforça a memória e traz alegria. É um dos talismãs mais recomendados.

Jade: Amuleto contra as dores dos rins.

Opala: Tem as virtudes de todas as outras pedras, porque possui todas as suas cores. A opala negra traz boa sorte.

Pérola: Reforça o coração (tradição grega). Em pó, dissolvida na água e bebida, é antídoto contra venenos. Até 1600 existia na farmacopéia inglesa um composto à base de pó de pérola e suco de limão.

Rubi: Melhora a memória e traz alegria. Excelente para o coração e o cérebro, aumenta o vigor físico e favorece a circulação sangüínea. Protege contra venenos e contra a peste.

PLANTAS TALISMÂNICAS

Certas plantas sempre tiveram grande importância na ciência talismânica:

Amaranto (flor de): num saquinho; atrai a proteção e o favor dos poderosos.

Angélica (flor de): num saquinho; protege conta feitiços.

Artemísia (flor de): num saquinho; protege contra encantamentos e más influências.

Crisântemo (flor de): num saquinho; protege contra malefícios.

Nenúfar (flor de): num saquinho; conserva e aumenta a potência sexual.

Urtiga (folhas): num saquinho, secas; revigora e dá novas forças.

Peônia (flor de): num saquinho; preserva contra malefícios.

Rosa vermelha (flor de): num saquinho; favorece a concepção.

Tabaco (folhas): num saquinho; favorece a concentração intelectual.

Arruda (folhas): num saquinho; absorve maus fluidos, protege contra mau olhado.

Guiné (folhas): num saquinho; tem função similar à da arruda.

Espada-de-são-jorge: viva, num vaso na porta da casa; protege contra a inveja e o mau olhado.

PERFUMES TALISMÂNICOS

As escolas mágicas estabeleceram também correspondências entre a ciência oculta dos perfumes e os signos zodiacais, com objetivos talismânicos:

Áries: odores queimados, resinosos, “temperados”.

Touro: odor de húmus, do lilás.

Gêmeos: odores sutis e penetrantes, como o musk.

Câncer: aromas florais.

Leão: odor de resina vegetal, perfumes envolventes.

Virgem: odor de cogumelos.

Libra: perfumes voláteis e hipnóticos.

Escorpião: odores de putrefação.

Sagitário: odores “apimentados”.

Capricórnio: odor de terra fresca.

Aquário: perfumes etílicos, muito voláteis

Peixes: perfumes de frutas.

As tradicionais fitinhas do Senhor do Bonfim viraram moda. Símbolos de Oxalá, orixá da luz, elas são talismã e amuleto ao mesmo tempo.

Comentários

comentários

6 pensou em “Talismãs – A arte de chamar a sorte

  1. Luis Pellegrini Autor do post

    Maíra, minha querida caçulinha: só pra dizer que vc está uma graça aí na foto.

  2. Maíra

    Pellegrini! Adorei! Gosto de colecionar objetos (mais por seu significado). E meu ponto fraco, definitivamente, são as pedras. Eu adoro pedras! Aos 14 anos, tinha uma vasta coleção delas. Eu as enterrava para energizar e tudo mais (é que eu lembro que lia na internet como dar ‘poderes’ a elas). Hoje, não me restaram muitas, porque fui perdendo e porque elas fazem parte do ornamento das plantas da minha mãe! Mas basta eu entrar numa lojinha de pedras, já bate aquela vontade de voltar a colecionar.
    Hum… E sobre o que a Lourdes disse sobre alguns objetos simbólicos, minha vó japonesa, que frequenta a Seicho-no-iê me deu um livrinho, o kanro no hou, que serve para a proteção. Olha, eu vivo falando que não acredito “nessas coisas”, mas também nunca saio de casa sem ele. Coincidentemente ou não, nunca aconteceu nada de ruim comigo (e já passei perto de perigos).
    Estou com saudades! Espero que nos vejamos em breve!
    beijo
    Maíra

  3. Luis Pellegrini Autor do post

    Oba! Lourdes, é a primeira vez que alguém me considera um talismã. Gostei! Abs

  4. Lourdes

    Os budistas tb possuem aquelas pulseirinhas com esferas de madeira ou resina, coloridas, vc já viu? Eles tb acreditam que as pulseirinhas protegem. Os católicos possuem os esculápios e santinhos que se carrega nas carteiras. O Feng Shui possui outra infinidade de símbolos com objetivos diversos. Lulu, vivemos cercados de símbolos e objetos com as mais variadas finalidades. Tenho um anel de estimação. Não acho que só ele me traz sorte. Mas gosto de estar com ele. Agora, sorte mesmo é ter vc como amigo! Bjo!

  5. Luis Pellegrini Autor do post

    MInha cara Clene, na verdade estou muito longe de ser um bruxo experto em operações mágicas. Sou apenas un jornalista curioso e pesquisador que vai fuçando por aí em busca de achados e perdidos… Me parece que a diferença entre talismã e amuleto não é etimológica, e sim funcional. Um serve para atrair, o outro para repelir e proteger. E do anel dos nibelungos sei pouco ou nada. Sorry. Quanto aos objetos que possuem as duas funções, é simples: são amuletos e talismãs ao mesmo tempo. ABS

  6. Clene

    Oi Luis! Que matéria bacana! Você me lançou (como num símbolo) para um lugar agora tão distante e de fato esquecido na minha mente… Me conte, você classifica desta forma diferenciada amuleto de talismã tendo como referência a etimologia? Como você classifica, por exemplo, o Anel dos Nibelungos? Talismã? Amuleto? E quando eles cumprem as duas funções atrair e repelir? Por exemplo, os índios norte-americanos acreditam que o totem do esquilo pode repelir a apatia e atrair o senso de preservação. E assim por diante… Que me dizes bonitão?