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Deus-máquina. Venerar uma inteligência artificial

 

Estava demorando, mas era previsível: Depois dos carros sem motorista, tinha de aparecer alguém disposto a fundar uma religião centrada nas máquinas. Aconteceu na Califórnia, onde um engenheiro da Silicon Valley criou um movimento religioso que cultua uma divindade-máquina mais inteligente que o homem.

Por: Luis Pellegrini

Anthony Levandowski, engenheiro da Silicon Valley, que se encontra no centro de uma batalha legal entre o Uber e o Google (foi acusado de roubar do primeiro segredos comerciais que repassou ao concorrente) fundou uma organização religiosa chamada Way to the Future (Caminho para o futuro).

Anthony Levandowsky, o lançador de um culto religioso à máquina

Objetivo principal do movimento seria “desenvolver e promover a construção de uma divindade baseada na inteligência artificial, e através da sua compreensão e veneração, contribuir para melhorar a sociedade”. Way to the Future funcionaria deste setembro de 2015, mas a notícia só foi difundida agora a partir do site norte-americano Wired.

Estranho? Nem tanto…

Levandowski ainda não forneceu ao público muitos detalhes sobre o objeto do seu culto, mas a coisa não parece assim tão estranha quando considerada no contexto da Silicon Valley, onde já está bastante difundido o conceito de Singularidade – aquele momento, no futuro próximo, no qual os computadores superarão o homem em todas as suas capacidades, e desenvolverão uma inteligência inalcançável para os nossos pequenos cérebros racionais feitos de matéria cinzenta biológica (ou de algo parecido a isso).

Quando isso acontecer, segundo alguns futurólogos, poderemos carregar nessas máquinas um backup dos nossos conteúdos cerebrais, alcançando dessa forma, virtualmente, uma espécie de imortalidade. Uma grande façanha: além de nos superar em matéria de inteligência, essa entidade será capaz de nos garantir a vida eterna (pelo menos nos circuitos digitais).

Evocando um deus, ou um demônio?

Hoje, nos meios científicos, até mesmo os menos otimistas, ao se dar conta das surpreendentes habilidades de aprender e de “pensar”, reconhecem que as máquinas possuem uma espécie de “essência” divina – embora alguns prefiram achar que se trata de uma essência diabólica… Elon Musk (aquele do Projeto Space X, que quer levar colonos humanos para o planeta Marte), já várias vezes advertiu contra a possibilidade de uma derivação malévola dos robôs. Musk acha que ao melhorá-los cada vez mais estamos essencialmente evocando um demônio, sem ter a certeza de que poderemos controlá-lo.

De qualquer modo, benévola ou malévola que seja, a nova divindade – e sempre que se trata de apenas uma divindade, e não de todo um panteão delas – seria uma filha do nosso tempo, uma característica constante das religiões. Desde aquelas ligadas às estações do ano e veneradas nas comunidades agrícolas do passado, aos espíritos dos caçadores/coletores, passando pelas entidades do céu, purgatório e inferno da civilização cristã. Todas as divindades criadas pelos homens surgiram diretamente dos sistemas de crenças de cada cultura e de cada momento histórico. Não é diferente no presente – a era das máquinas – e não deverá ser diferente no futuro.

Com um tablete nas mãos, o robô Xian’er, o primeiro “robô budista”, surge no ingresso de um templo em meio a vapores de incenso. No dialeto de Pequim, a desinência “er” equivale a “doido, estúpido”. Mas, ao mesmo tempo, em chinês mandarim ela manifesta afeta, ternura…

Robô Xian’er, monge budista

Enquanto nos Estados Unidos um cientista quer criar uma divindade-máquina, na China a antiga sabedoria budista se manifesta de outra forma: prefere inventar uma máquina a serviço da filosofia budista… Foi assim criado o robozinho Xian’er, preparado para explicar e ensinar a sabedoria do Buda para a geração que nasceu na era digital.

O mestre budista Xian Fan ao lado da sua criatura.

Xian’er foi criado pelas mãos de um monge com formação científica e tecnológica, Mestre Xian Fan (um ser humano, diga-se de passagem), e sabe cantar mantras e responder perguntas sobre a sua fé através de uma tela touch-screen.

Xian’er posa para a fotografia, pronto para acolher os visitantes.

Com pouco mais de meio metro de altura, Xian’er usa a roupa amarelo-açafrão dos monges e tem a cabeça raspada. Apesar de passar a maior parte do tempo enclausurado na espiritualidade calma do Templo de Longquan, nos arredores de Pequim, ela mostra sempre uma expressão de permanente surpresa.

Xian’er, durante uma demonstração, discute com o mestre Xian Fan tópicos de dialética budista.

Seu propósito é alcançar o pessoal da nova geração, continuamente amarrado a seus telefones celulares. Ele é capaz de responder dezenas de questões simples sobre budismo e a vida no quotidiano desse templo que tem mais de 500 anos deidade.

 

Vídeo: Robô Xian’er