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Seu país corre o risco de se tornar uma ditadura? Aqui está como saber

 

Farida Nabourema dedicou sua vida ao combate ao regime militar no Togo, a mais antiga autocracia da África. Ela aprendeu duas verdades ao longo do caminho: nenhum país está destinado a ser oprimido e nenhum país está imune à ditadura. Mas como saber se seu país corre esse risco antes que isso aconteça? Numa palestra emocionante, Nabourema compartilha os quatro principais sinais de uma ditadura, juntamente com o segredo para desafiar aqueles que vivem dentro de um sistema opressivo.

Vídeo: TED Ideas Worth Spreading

Tradução: Maricene Crus. Revisão: Carolina Aguirre

Ativista política e escritora, Farida Nabourema tem se mostrado uma corajosa advogada e defensora dos direitos humanos em seu país, o Togo, desde os seus anos de adolescência. Através de mais de 400 artigos publicados em seu blog (www.faridanabourema.org) e em outros sites, jornais e revistas, ela tem denunciado a corrupção e o autoritarismo, além de promover uma forma moderna de pan-africanismo progressivo. Em 2014, ela publicou o livro La Pression de l’Oppression (A pressão da opressão), no qual discute as diferentes formas de opressão que as pessoas enfrentam na maior parte do território africano, ressaltando a necessidade de reação por parte dos oprimidos.

Vídeo: Palestra de Farida Nabourema no TED Women. Clique nos três pontinhos, na parte inferior direita do vídeo, e peça legendas em português brasileiro, se o desejar.

 

Tradução integral da palestra de Farida Nabourema no TED Women

Há algumas semanas, alguém tuitou durante as eleições intercalares nos Estados Unidos que o dia da eleição deveria ser decretado feriado. E eu retuitei dizendo: “Bem, você é bem-vindo para vir votar no meu país. Temos a semana inteira de folga para que os militares contem os votos”.

A propósito, eu sou do Togo, um lindo país da África Ocidental. E existem alguns fatos legais e interessantes sobre o meu país. O Togo foi governado pela mesma família por 51 anos, tornando-nos a autocracia mais antiga da África. Isso é um recorde. Temos um segundo registro ainda mais legal: nós fomos classificados três vezes como o país mais infeliz da Terra. Vocês todos estão convidados.

Então, só para que saibam, não é muito legal viver sob uma autocracia. Mas o interessante é que, no decorrer do meu ativismo, tenho conhecido muitas pessoas de diferentes países, e quando falo sobre o Togo, a reação delas é sempre: “Como podem permitir que as mesmas pessoas aterrorizem vocês por 51 anos?” Tipo: “Vocês togoleses devem ser muito pacientes”. Essa é a maneira diplomática delas de dizer “estúpidos”.

Quando você mora num país livre, há uma tendência de assumir que aqueles que são oprimidos toleram sua opressão ou convivem confortavelmente ??com isso, e que democracia é projetada como uma forma progressiva de governança de tal modo que as pessoas que não vivem em países democráticos são vistas como intelectualmente ou, talvez, moralmente não tão avançadas quanto outras.

Mas não é o caso. A percepção dessas pessoas tem a ver com o modo como as histórias sobre ditaduras são divulgadas. No decorrer do meu ativismo, tenho sido entrevistada por muitas agências de notícias, que, normalmente, começavam perguntando: “O que fez você começar? O que inspirou você?” E respondo: “Não fui inspirada. Eu fui provocada”. E continuam: “Bem, o que provocou você?” Então conto como meu pai foi preso e torturado quando eu tinha 13 anos, a história toda… não quero entrar em detalhes agora, porque vocês vão cair no sono. Mas a coisa é que, no final das contas, o que mais interessa a eles é: como ele foi torturado? Por quantos dias? Quantas pessoas morreram? Eles estão interessados no abuso, no assassinato, porque acreditam que isso vá ganhar atenção e simpatia. Mas, na realidade, isso serve o propósito do ditador, o ajuda a divulgar a crueldade dele.

Em 2011, eu co-fundei um movimento que chamei de “Faure Must Go”; Faure é o primeiro nome do nosso presidente. O Togo é um país francófono, mas eu escolhi o inglês porque tive uns probleminhas com a França também. Mas, depois… quando dei início ao Faure Must Go, fiz um vídeo e me filmei dizendo: “Faure Gnassingbé, eu te dou 60 dias para renunciar ao cargo de presidente, porque, se não fizer isso, nós, os jovens do Togo, vamos nos organizar e derrubar você, pois você matou mais de 500 dos nossos compatriotas pra assumir o poder quando seu pai morreu. Nós não escolhemos você. É um impostor e vamos derrubar você”. Mas eu era o único rosto conhecido do movimento. Por quê? Porque era a única estúpida.

E aí vieram as repercussões. Minha família passou a receber ameaças. Meus irmãos me ligaram uma manhã e disseram: “Quer saber? Quando vierem aqui pra matar você, não queremos morrer contigo, então mude-se daqui”. Então sim, eu me mudei. E estou com muita raiva deles, então não falo com eles há cinco anos.

Deixa pra lá, seguindo adiante… Nos últimos nove anos que tenho trabalhado com países para promover a conscientização sobre o Togo, para ajudar meu povo a superar seu medo assim eles, também, podem dizer que querem mudança, eu tenho sofrido muita perseguição que não posso divulgar, muitas ameaças, muitos abusos, psicologicamente. Mas não gosto de falar sobre isso, pois sei que, como ativista, meu trabalho é mobilizar, é organizar, e ajudar cada cidadão togolês a entender que, como cidadãos, nós temos o poder, estamos no controle e decidimos. E a punição que os ditadores estão usando para intimidá-los não deve nos impedir de conseguir o que queremos. Por isso eu disse que é muito importante divulgar as histórias de ativistas de um modo que ajude a mobilizar as pessoas, não no modo que ajude a deter a ação delas e forçá-las ainda mais à subjugação de um sistema opressivo.

Durante esses anos como ativista, houve dias que tive vontade de desistir, pois não aguentava mais. Então, o que me manteve firme? A única coisa que me manteve firme foi me lembrar da história do meu avô e como ele costumava andar 748 quilômetros a pé, da sua aldeia para a cidade, apenas para protestar pela independência. Depois, penso no sacrifício do meu pai que foi torturado tantas vezes por ousar protestar contra o regime. Nos anos 70, eles escreviam panfletos pra reforçar a conscientização sobre a ditadura, e porque não tinham como fazer cópias, eles reproduziam o mesmo panfleto 500 vezes cada um e os distribuíam. Mas os militares passaram a reconhecer a caligrafia deles, e, quando encontravam um deles, eles o capturavam. Mas eu vejo aquilo e penso que hoje é possível ter um blog. Eu não tenho que copiar a mesma coisa 500 vezes. Eu escrevo no blog e milhares de pessoas leem. Aliás, no Togo, gostam de me chamar de garota do WhatsApp, pois estou sempre no WhatsApp atacando o governo.

Então é bem mais fácil. Quando estou com raiva do governo, é só escrever uma mensagem furiosa, enviá-la e milhares de pessoas a compartilham. Eu raramente sou comportadinha assim, estou sempre com muita raiva.

Eu estava falando sobre a necessidade de expor as nossas histórias, porque quando penso nos sacrifícios que foram feitos por nós, isso me ajudou a seguir adiante. Uma das primeiras ações do nosso movimento Faure Must Go foi criar uma petição pedindo a assinatura dos cidadãos para que possamos exigir novas eleições, como permite a constituição. As pessoas tinham receio de assiná-la, pois diziam que não queriam se meter em encrenca. Mesmo na diáspora, elas tinham receio. Elas diziam: “Temos família em casa”.

Mas uma mulher, com os seus 60 anos, ouviu falar sobre a petição e aceitou assiná-la. Ela foi para casa e sozinha conseguiu coletar mais de mil assinaturas. Isso me inspirou muito e pensei: “Se uma mulher de 60 anos que não tem nada mais a ganhar neste regime pode fazer isso por nós, os jovens, então por que eu devo desistir?” São histórias de resistência, de desafio, as histórias de resiliência, que inspiram as pessoas a se envolverem, não as histórias de abuso, assassinatos e mágoas, porque, como humanos, é natural nos assustarmos.

Eu gostaria de compartilhar com vocês algumas características das ditaduras para que possam avaliar seu próprio país e ver se vocês também correm o risco de se juntarem a nós.

A primeira coisa a observar: a concentração de poder. O poder em seu país está concentrado nas mãos de alguns, uma elite? Pode ser uma elite política ou ideológica. E em meio a essa elite você tem um homem forte, porque sempre temos um cara que é apresentado como o messias, que nos salvará do resto do mundo.

O segundo ponto é propaganda. Ditadores se alimentam de propaganda. Eles gostam de dar a impressão de que são os salvadores e que, sem eles, o país vai desmoronar. E estão sempre lutando contra algumas forças externas, sabem? Os cristãos, os judeus, os muçulmanos, sacerdotes vodus estão vindo pegar vocês, quando os comunistas chegarem aqui, todos seremos destruídos, coisas assim. E nosso presidente, em especial, luta contra piratas.

Danças folclóricas do Togo

É sério! No ano passado, ele comprou um barco de US$ 13 milhões para combater piratas, e 60% da população está morrendo de fome. Eles sempre nos protegem de algumas forças externas.

E isso leva ao ponto três: militarização. Ditadores sobrevivem instigando o medo, e usam os militares pra suprimir vozes dissidentes, mesmo que tentem dar a impressão de que os militares vão proteger a nação. E eles suprimem e destroem instituições assim não precisam ser responsabilizados. O seu país é fortemente militarizado?

E isso nos leva ao quarto ponto, que chamo de crueldade humana. Quando falamos de animais, chamamos de “crueldade animal” quando eles são abusados, porque não há documento oficial reconhecido pela ONU falando sobre os direitos dos animais. Primeiro: todos os animais são criados como iguais. Nós não temos isso. Sempre que eles são abusados, dizemos que é crueldade animal. Mas quando se trata de humanos, dizemos abusos dos direitos humanos, porque assumimos que todos os humanos têm direitos. Mas alguns de nós ainda lutam pelo direito de ter direitos. Então, nessa condição, não falo sobre abuso ou violação dos direitos humanos.

A ativista togolesa Farida Nabourema

Quando você mora em um país e tem um problema com o presidente e a pior coisa que pode acontecer é ele banir você do país, você é um felizardo. No meu país, quando você tem um problema com o presidente, é bom você sumir, desaparecer do universo, porque eles ainda podem encontrar você, na Turquia, por exemplo. Pessoas como eu não conseguem mais viver no Togo, nem podem viver no mesmo lugar por mais de um mês, porque não queremos ser rastreadas. O modo como abusam das pessoas, o tipo de crueldade que acontece em toda a impunidade sob ditaduras vai além da imaginação humana. As histórias de alguns dos ativistas que foram mortos, o corpo deles descartados no mar, que foram torturados a ponto de perderem a audição ou visão, essas histórias ainda me assombram. E às vezes, como ativista, me preocupo menos com a morte, mas mais em como vai acontecer. Às vezes eu apenas paro e imagino todos os cenários. O que farão comigo? Vão cortar minhas orelhas primeiro? Ou vão cortar minha língua porque sempre os insulto? Parece cruel, mas é a realidade. Vivemos num mundo muito cruel. Ditadores são monstros cruéis, e não digo isso pra ser legal.

Então sim, essa é a característica final. A lista continua, mas há uma última coisa que quero compartilhar sobre autocracias, pra que observem o seu país e vejam se há riscos lá. É importante que reconheçam os ganhos de liberdade que vocês têm hoje, pois pessoas perderam a vida para que vocês tivessem a liberdade. Então jamais deixem de valorizar isso. Mas, ao mesmo tempo, vocês também precisam saber que nenhum país é realmente destinado a ser oprimido, enquanto que, ao mesmo tempo, nenhum país ou nenhuma pessoa está imune à opressão e à ditadura.

Obrigada.