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ET, onde estás que não te vejo?

 

Na nossa busca por inteligência extraterrestre utilizamos esquemas demasiado humanos e inspirados na ficção cientifica ao tentarmos representar outras formas de vida.

 “A China instalou a última peça do maior radiotelescópio do mundo”, revelava a BBC News a 4 de julho. Após cinco anos de construção e um orçamento de mais de 160 milhões de euros, o Five-hundred-meter Aperture Spherical Telescope, conhecido pelo acrônimo FAST, estará operacional a partir deste mês de outubro. Instalado numa bacia natural da província de Guizhou, esse telescópio de 500 metros de diâmetro vai contribuir para melhor compreendermos as origens do universo. Mas para a agência Xinhua News, “o objetivo mais empolgante do FAST é a procura de vida extraterrestre. Essa possibilidade, matematicamente certa, porém ainda não comprovada, ocupa as mentes e os corações das pessoas e a força de trabalho de milhares de cientistas ao redor do mundo. Mas… será que estamos todos realmente buscando os ETs do jeito certo? É o que discute Philip Ball, jornalista e bom conhecedor de ficção científica, neste bem humorado e muito inteligente artigo.

 

POR QUE NOSSA IMAGINAÇÃO DA VIDA EXTRATERRESTRE É TÃO POBRE?

Por: Philip Ball

Fonte: Site Aeon – Londres

Fico espantado com a quantidade de coisas que parecemos saber sobre os extraterrestres. Constroem civilizações tecnológicas e viajam por toda a galáxia em naves espaciais. Constroem estruturas ao redor das estrelas para captar a energia delas. E nos enviam saudações intersiderais. Quando, num futuro mais ou menos longínquo, receberem mensagens nossas, estarão à espera dos episódios seguintes da série televisiva Glee? Quase podemos apostar que sim…

Como sabemos tudo isto? Não é utilizando o processo habitual da ciência para descobrir coisas, a observação. Sabemos, porque sim. Porque vimos no cinema. Porque é o que faríamos. Em outras palavras: quando começamos a especular sobre como poderão ser as civilizações extraterrestres avançadas, estamos na verdade falando de nós mesmos.

A tendência para representar a vida em outros planetas à nossa imagem e semelhança remonta às obras de proto ficção científica do século 17, como a História Cômica dos Estados e Impérios da Lua e do Sol, do escritor francês Savinien de Cyrano de Bergerac (1657), que inspirou Edmond Rostand a escrever a sua famosa peça cujo protagonista é um herói homônimo.

O romancista descreve uma paisagem lunar povoada de seres gigantescos metade humanos, metade animais, que construíram uma sociedade muito requintada, muito europeia, onde debatem Aristóteles e teólogos cristãos.

Os monstros da Guerra das Estrelas

Depois as coisas continuaram essencialmente na mesma linha. Os impérios galáticos do romance Fundação, de Isaac Asimov (1942-1993), os filmes Star Wars e Star Trek estão povoados de criaturas cuja psicologia e motivação é “muito humana, tipo final do século 20”, independentemente da espessura da pele ou da quantidade de apêndices que se destacam das suas cabeças.

Estes pressupostos sobre as civilizações extraterrestres saltaram da tela para as revistas científicas em setembro de 2015, quando a astrônoma Tabetha Boyajian e os seus colegas da Universidade de Yale (EUA) afirmaram ter observado, graças ao telescópio Kepler, variações de luminosidade intensas e rápidas da estrela KlC 8462852.

Variações que não podiam ser facilmente explicadas por nenhum processo natural conhecido. A investigadora lançou a hipótese de que a luz da estrela poderia estar bloqueada por uma nuvem de cometas orbitando a seu redor, mas o astrônomo Jason Wright e os seus colegas da Universidade da Pensilvânia (EUA) propuseram uma outra explicação mais excitante mas ainda menos provável: a cintilação da estrela KlC 8462852 seria a sombra de uma estrutura gigantesca construída por engenheiros alienígenas.

O conceito de estrutura circunstelar foi desenvolvido na década de 60 pelo físico britânico Freeman Dyson. Segundo ele, toda civilização dotada de meios tecnológicos suficientes seria levada a montar baterias de sensores no espaço para absorver a radiação das estrelas e assim satisfazer as suas enormes necessidades de energia. Wright tem rodeado o seu comentário sobre a possível existência de uma verdadeira “esfera de Dyson” ao redor de KlC 8462852 com as maiores precauções, mas não conseguimos especular em paz sobre a identificação de extraterrestres. E depressa se multiplicaram manchetes em todo o mundo.

Outros cientistas tentaram perceber as mensagens provenientes de KlC 8462852. Concentraram esforços nas ondas rádio e impulsos laser, os mesmos sinais que utilizamos, sublinhando assim o antropocentrismo da sua investigação.

Desde que os cientistas começaram a procurar formas de vida extraterrestre, eles as concebem à sua imagem e semelhança. Talvez tudo tenha começado com um artigo publicado em 1959 na revista Nature pelos físicos Giuseppe Cocconi e Philip Morrison.

Afirmavam que “na proximidade de uma estrela parecida com o nosso Sol existem civilizações dotadas de conhecimentos científicos e de possibilidades tecnológicas largamente superiores às que dispomos atualmente”. Também pensavam que estes extraterrestres tinham “estabelecido um canal de comunicação que iríamos utilizar um dia”. Estes sinais eram muito provavelmente ondas curtas de rádio, presentes em todo o universo e continham uma mensagem visivelmente artificial, onde “as sequências de impulsos representam pequenos números primos e operações matemáticas simples”.

Em busca de mensagens do cosmos

Nada nesta ideia é extravagante, mas, diante dela, esses dois cientistas inteligentes finalmente colocaram a pergunta certa: “Que faríamos nós no lugar deles?” A proposta de Cocconi e Morrison de procurar sinais familiares originários de tecnologias familiares condicionou fortemente a busca de inteligência extraterrestre, missão designada em inglês por SETI – Search for Extra-Terrestrial Intelligence – Pesquisa de inteligência extraterrestre, cuja investigação é feita essencialmente no Instituto Seti, na Califórnia, EUA (que inspirou o romance Cosmos, de Carl Sagan, e o filme homônimo).

Avi Loeb, astrônomo em Harvard, acredita que seria melhor procurar assinaturas espectroscópicas de clorofluorcarbonetos (CFC, compostos químicos conhecidos pelo nome comercial de fréon, agora proibidos por contribuírem à formação dos buracos de ozônio) na atmosfera dos planetas. Ele imagina seguramente que os extraterrestres têm as mesmas geladeiras e congeladores que nós…

Outros cientistas propuseram encontrar extraterrestres procurando a poluição luminosa das suas cidades ou os rastros dos motores antimatéria das suas naves interestelares do estilo “Enterprise” (da série Star Trek) ou clarões que poderiam assinalar as suas guerras nucleares. Tudo isto parece irremediavelmente humano.

Como encontrá-los?

Pode-se sempre dizer que, se queremos encontrar inteligências extraterrestres, temos de começar em algum lugar. Que tenhamos vontade de procurar formas de vida em outros locais fora da Terra tem provavelmente a ver com os instintos que nos levam a explorar o nosso ambiente e a propagar a nossa espécie. Se – e isso parece muito provável – todas as formas complexas de vida no universo forem o resultado de um processo de evolução darwiniana tendo por base a competição, não será razoável pensar que a evolução os tornará também curiosos e expansionistas? Mas nem todas as sociedades humanas estão desejosas de se propagar para além do seu ambiente e ninguém sabe dizer se a seleção darwiniana vai continuar a ser a força principal que modelará a humanidade durante o próximo milênio (menos ainda nos próximos milhões de anos).

O problema de basearmos a procura de inteligência extraterrestre em projeções dos nossos próprios desejos e invenções é que isso condiciona a nossa reflexão. Esta tendência já existia antes mesmo de Morrison e Cocconi apresentarem as premissas da busca. Em 1950, o físico italiano Enrico Fermi refletiu com os seus pares sobre a possibilidade de extraterrestres inteligentes estarem começando a explorar o cosmos.

Fermi acreditava que se outros seres fossem capazes de fazer viagens interestelares, já teriam reparado em nós e vindo cá espreitar. Se não vieram, será que existem? O “paradoxo de Fermi” (a aparente contradição entre as altas estimativas de probabilidade de existência de civilizações extraterrestres e a falta de provas de contato com tais civilizações) serve sempre como argumento para explicar porque é que as formas de vida inteligentes devem ser raras em todo o Universo.

Entre as soluções possíveis para este paradoxo, o Instituto SETI usa a seguinte: “Os extraterrestres analisaram os custos-benefícios e chegaram à conclusão que as viagens interestelares eram muito caras e muito perigosas”. Ou: “A galáxia está urbanizada, mas nós estamos numa periferia onde não acontece quase nada”. Ou ainda: “A Terra foi voluntariamente deixada no isolamento para permanecer como sujeito de observação para os turistas e os sociólogos extraterrestres”.

Engraçado! Tenho quase a impressão de conhecer estes extraterrestres. Esta falta de imaginação na representação dos outros significa que devemos deixar de falar sobre o que as civilizações extraterrestres fazem ou deixam de fazer? Claro que não! Este tipo de especulação é um recurso da nossa espécie para tentar encontrar algum sentido num cosmos desconcertante.

Mas como ultrapassar o solipsismo ou as hostes obsoletas do ET de Hollywood?

Uma das formas consiste em não nos deixarmos distrair demasiado pela ficção científica. Algumas obras são fabulosas, mas não podemos esquecer que são apenas histórias, o que significa que precisam de intriga e de personagens com as quais nos identifiquemos. Então, todos os clássicos, desde Duna, de Frank Herbert (1965), aos Filhos de Ícaro, de Arthur C. Clarke (1953), passando pelos futuros tecnologicamente avançados de Kim Stanley Robinson (autor, entre outros, da Trilogia de Marte) e Iain M. Banks (criador de A Cultura, uma civilização pangalática que encontramos nos seus livros), têm governantes e ditadores, heróis e heroínas, frotas de naves espaciais e impérios.

A própria esfera de Dyson está prefigurada no Criador de Estrelas, de Olaf Stapledon (1937), em que o cientista se inspirou. Quando aplicamos esquemas de narração centrados no ser humano à investigação da inteligência extraterrestre temos de nos lembrar que estamos olhando para um espelho deformado. Então, por que não fazê-lo com ousadia e imaginação, levando-nos a questionar se não existirá uma forma mais rigorosa de explorar o leque das possibilidades?

Formas de vida diferentes

Se aprofundarmos um pouco as coisas, podemos encontrar ideias mais originais sobre a forma como os extraterrestres inteligentes podem existir sem que os consigamos identificar. Os seres super avançados talvez já tenham abandonado o mundo físico e existam em recantos escondidos de outras dimensões.

Talvez estejam desencarnados numa nuvem inteligente como a Nuvem Negra, do astrônomo inglês Fred Hoyle (1957), raro exemplo de inventividade por parte de um cientista numa obra de ficção. Talvez a vida de um alienígena superinteligente seja maçante ou complicada.

Ou talvez nos tenham visitado sob outra forma, como os descendentes dos seres humanos com um cérebro pequeno semelhantes aos leões marinhos que descansam nos rochedos de Galápagos, de Kurt Vonnegut (1985). O que não os impede de nos olhar como animais de estimação divertidos…