Tá de olho gordo em cima da minha japonesa!

 

No momento em que escrevo, 14 horas de 21 de dezembro de 2016, o Sol está a pino sobre minha cabeça, em São Paulo. Aqui passa o Trópico de Capricórnio. Este é o momento do solstício de verão no hemisfério sul. A partir deste instante, nossa estrela não irá mais além. Atingiu seu ponto máximo ao sul e começará, no instante seguinte, sua viagem celeste rumo ao norte.

 Por: Luis Pellegrini

Tem sido assim, desde a origem dos tempos em nosso estranho – porém perfeito – mundo pendular. Seis meses na direção sul, seis meses na direção norte. Tem sido assim na natureza manifestada. Tem sido assim nas nossas vidas efêmeras, nas quais todos os acontecimentos surgem em ciclos que têm começo, meio e fim. Para dar lugar a um outro eterno recomeço.

Para comemorar o solstício, meu café da manhã, hoje, não foi em casa. Quis começar bem este dia, que é o mais longo do ano, e decidi me regalar com os quitutes da padaria do Seu Antônio, na Rua Martim Francisco, em Higienópolis. E lá estava eu, sentado ao balcão, diante de um suco de laranja, uma média e um pão com manteiga – não existe no mundo um breakfast melhor do que esse – quando um aparente entrevero começou. Vestindo o tradicional uniforme dos nordestinos mais simples em São Paulo – bermuda, camiseta e sandálias -, um rapaz encostou a barriga no balcão, olhou firme em direção ao garçom, jovem nordestino como ele, e disparou: “Tome tento, paraíba. Tome cuidado. Muito cuidado. Você tá brincando com fogo. Tá de olho gordo em cima da minha japonesa. Você é paraibano como eu. Sabe muito bem como são as coisas lá na nossa terra. Não se põe olho gordo na japonesa do outro, pois ele logo pega a peixeira. Certo?”

O garçom terminou de servir o expresso pedido pelo freguês ao lado, devolveu o olhar firme para o conterrâneo, e retrucou:

“Errado. Na Paraíba quem puxa a peixeira é a japonesa.”

“Mas aqui em São Paulo quem vai puxar a peixeira sou eu! Na minha japonesa ninguém bota olho gordo”.

“Afinal, de que japonesa você tá falando? Nunca te vi com uma japonesa?”

“Se não viu, vai ver. A minha linda Yamasaki. Ela está me esperando na calçada em frente à padaria”.

Claro, todos nós, os clientes, nos voltamos para a grande porta de vidro para conhecer, afinal, o pomo daquela discórdia. E, de fato, parada tranquilamente na calçada, lá estava ela: uma motocicleta!

Caímos todos na risada. Todo aquele que-que-que do jovem paraibano era só para comunicar ao amigo que a tão almejada motoca tinha sido enfim adquirida…

Passado o momento da graça, dei uma bocada no pão com manteiga e olhei de esguelha para os dois paraibanos. E… por alguns instantes… fui abençoado por uma outra graça: uma profunda onda de afeto por aqueles dois rapazes invadiu meu coração e todo e qualquer tumulto interno serenou.

Não, naquele instante os dois jovens nordestinos não eram apenas migrantes tentando sobreviver na selva de pedra paulistana. Naquele instante eles representavam todo o nosso povo, simples, sofrido, de bermuda surrada, camiseta e sandália havaiana. Mas ainda assim genialmente criativo, afetuoso, bem humorado, teatral, generoso, um tanto doido, certamente, mas que povo maravilhoso!

Um povo que, em absoluto, não merece os líderes sanguessugas que o assolam e que precisam urgentemente serem defenestrados e cambiados para que os nossos milhões de paraíbas possam ter, enfim, as japonesas que merecem.

Mas isso já é uma outra história, que ficará para depois do Natal e das comemorações de fim de ano.

Pois o ano está acabando, o sol retoma agora o seu norte, um novo ciclo recomeça. No mito de Pandora, o único mal (ou será o único bem?) que permanece no fundo da caixa é a esperança… Não podemos deixar que ela escape.

Bom Natal, feliz 2017 para todos vocês.

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