Nazistas, mestres das fake news. Uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade

 

A máquina de propaganda do Terceiro Reich se nutria de boatos, mentiras e notícias falsas. A mais incrível delas levou à invasão da Polônia, e ao início da Segunda Guerra Mundial. “Uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade”. Com essa frase, o ministro de propaganda de Adolf Hitler, Joseph Goebbels, resume a consequência trágica da divulgação de notícias ilegítimas. Na imagem de abertura, Joseph Goebbels.

Por: Luis Pellegrini

Dois manifestos da propaganda nazista baseada nas fake news.

As fake news (notícias falsas), hoje estão na moda. Mas elas não surgiram com o Facebook e as demais mídias sociais. Um dos seus maiores adeptos foi Adolf Hitler e seus comunicadores do regime nazista. Durante todo o período em que ele esteve no poder, lançou mão de todos os canais de comunicação disponíveis na época para colocar em circulação uma infinidade de mentiras, fofocas e boatos. Tudo era bom e válido para transmitir ao povo alemão e ao mundo as mentiras nazistas – desde o rádio e o cinema até os jornais, revistas e desenhos animados.

Cartaz do filme “Judeu Errante” (1940) filme documentário antissemita produzido e financiado pelo ministério da propaganda nazista.

Mentiras custavam caro 

Quem gerenciava todo aquele imenso giro de notícias falsas era o Ministério da Propaganda, presidido por Joseph Goebbels, braço direito de Hitler. A enxurrada de inverdades diariamente despejada sobre o povo alemão não era a custo zero: o Reich gastava entre 250 milhões e 500 milhões de dólares ao ano para financiá-la, uma cifra nada desprezível para a época (no mesmo período, os americanos investiam cerca de 26 milhões de dólares ao ano).

O resultado foi a criação de uma máquina de comunicação eficaz e de funcionamento impecável que produzia notícias falsas incansavelmente. Entre elas, os famigerados  artigos que alimentaram a campanha contra a “ciência judaica, massônica e bolchevique”, ou aqueles contra as “hordas asiáticas” (os comunistas) ou contra os judeus.

Uma das fake news mais célebres a respeito dos judeus (e que, por mais incrível que pareça, mais causaram impacto na opinião pública alemã), foi aquela que afirmava que os judeus sequestravam recém nascidos antes das celebrações da Páscoa hebraica porque precisavam do sangue de uma criança cristão para misturar com a farinha do matzah (o pão não fermentado).

A própria Segunda Guerra Mundial começou com uma balela construída sob medida. Antes de atacar a Polônia (1939) o regime lançou uma campanha midiática para preparar a opinião pública para a guerra, inflando notícias falsas a respeito de “atrocidades polacas” que, segundo os órgãos do regime nazista, teriam culminado com o ataque à estação de rádio alemã na cidade de Gliwice.

A notícia, falsa, foi replicada por todos os meios de informação: o ataque na verdade fora perpetrado por membros da SS alemã que vestiam uniformes poloneses. Ninguém pensou nessa possibilidade e, já no dia seguinte, Hitler anunciou a sua decisão de invadir a Polônia.

A invasão da Polônia foi justificada perante a opinião pública com uma fake News: a 31 de agosto de 1939, homens d SS vestidos com o uniforme dos soldados polacos “atacaram”uma estação de rádio alemã em Gliwice (foto). A notícia foi divulgada por todos os órgãos de informação. No dia seguinte, Hitler, em resposta, anunciou a sua decisão de invadir a Polônia.

Guerra pelo rádio

Todas essas notícias falsas circulavam não apenas através dos jornais mas também das rádios, que na época eram um dos mais importantes veículos de comunicação. Na cidade alemã de Zeesen existiam oito transmissores de rádio capazes de atingir o mundo inteiro com canais personalizados para cada país. As transmissões nazistas gozavam de prestígio e consenso inclusive fora dos limites da pátria. O seu modo de narrar os fatos e episódios da guerra era irreverente e sarcástico, considerado pouco institucional, agradável e divertido. Uma pesquisa da época revelava que 58% dos ouvintes na Inglaterra se sentia atraído pelas emissões nazistas “porque considerava a sua versão das notícias tão fantasiosa que provocavam o riso”.

O assessor de propaganda Werner Wächter (à direita, tendo no braço a faixa com a cruz nazista) na estação de rádio de Berlim distribui 500 aparelhos de rádio por ocasião do aniversário de Goebbels (1938).

Uma revista chamada Signal 

Uma das revistas nazistas que mais dominava a opinião pública (além obviamente dos telejornais, os noticiários do regime) era a revista Signal, formatada a partir da diagramação do semanário norte-americano Life. Signal também era impressa em corres e foi distribuída de 1940 a 1945 em 23 países entre aqueles de aliados neutros e aqueles ocupados (Signal era traduzida em mais de 20 línguas). Para realiza-la e promove-la, o regime tinha previsto um orçamento equivalente a 2 milhões de dólares (a revista tinha uma tiragem de 2,5 milhões de exemplares).

Capa da revista mensal Signal, produzida pelo regime nazista e distribuída de 1940 a 1945.

A redação era composta por militantes do exército alemão especializados em jornalismo, cinema e fotografia, encarregados de percorrer as frontes de batalha obtendo imagens brilhantes que eram postas em circulação com estilo e brio dignos de Hollywood. O editor respondia diretamente ao Alto Comando da Wehrmacht.

Disponível em toda a parte, as pessoas a compravam e a liam com prazer. Signal era a confirmação viva de que a propaganda era capaz de convencer seus leitores a respeito de qualquer coisa que interessasse ao regime. Através de suas páginas, as maiores mentiras se transformavam em verdade na mente dos que as liam.

Come disse o presidente do Reichstag, Hermann Goering ao Tribunal de Nuremberg no momento do processo que o incriminou: “As pessoas podem sempre ser levadas a obedecer ordens do líder. Para tanto, tudo que é preciso fazer é dizer a elas que foram atacadas, denunciando os pacifistas por falta de patriotismo e por exporem a nação ao perigo. Funciona do mesmo modo em todos os países”.

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